“Evil” assusta menos do que sugere, mas é mais interessante do que parece
Em série disponível na GloboPlay, criadores de “The Good Wife” esmiúçam casos de possessão demoníaca ou intervenção divina

Quem seguiu The Good Wife sabe que os criadores/showrunners Michelle e Robert King têm uma pegada especial: esquentam a velha fórmula do “caso da semana” com tópicos do momento que rendam debates éticos interessantes e que rapidamente tragam o espectador para dentro da discussão – e são ótimos também no manejo daquelas tramas que dão estrutura mais robusta a uma série, atravessando cada temporada, ou mesmo várias temporadas, de ponta a ponta. Não é que eles acertem sempre; a sétima e última temporada de The Good Wife causou certa decepção, e The Good Fight teve duas temporadas fortíssimas seguidas de uma terceira completamente destrambelhada (ambas as séries estão disponíveis na Amazon). Mas, episódio a episódio, a taxa de sucesso dos King é notável – e me perguntei por que eles estariam saindo da zona de conforto deles, que é o mundo jurídico e político, para se aventurar no terreno do sobrenatural com Evil, que está na GloboPlay à taxa irritante de um episódio inédito por semana. A resposta, afinal, é simples: Os King querem fazer com possíveis casos de possessão demoníaca, intervenção divina etc. a mesma coisa que eles faziam com questões legais. Ou seja, querem explorar aquela zona indecisa e complicada entre a superstição e os fatos, e entre fé e racionalidade.

Em Evil, Kristen Bouchard (Katja Herbers) é uma psicóloga forense que perde o emprego ao ser trapaceada, no tribunal, por um sujeito muito caviloso e desagradável, Leland Townsend (Michael Emerson, que fazia o esquisitão de Lost). Com quatro filhas, marido nunca à vista e precisando de trabalho, ela topa colaborar com David Acosta (Mike Colter), ex-repórter e agora padre em treinamento, que investiga fenômenos para Igreja Católica (aos que não sabem, o Vaticano é extremamente reticente com alegações de possessão ou de milagre). Kristen acha o novo emprego meio embaraçoso. Mas ela precisa dele, está mais intrigada do que admite e está também muito atraída por Acosta, que Colter interpreta com aquele jeito metade acolhedor, metade inacessível que fez dele um dos personagens mais interessantes de The Good Wife, além de um Luke Cage excelente. Assim que começa a parceria, porém, Kristen começa a ser atormentada por pesadelos com um demônio repulsivo – e Leland Townsend, que o muito místico Acosta diz ser um emissário satânico, passa a rondá-la sem descanso.

Se a sua expectativa é de uma série de horror, talvez Evil se prove frustrante: embora tenha momentos de mal-estar e de terror, ela se escora muito mais em clima do que em sustos. Para cada explicação sobrenatural, oferece-se também um argumento racional – mas os King cuidam para que haja sempre um resíduo de inexplicável em cada caso, assim como nos pesadelos de Kristen (que a filha caçula dela às vezes compartilha) e na marcação cerrada que Leland faz a ela e a Acosta. Com sete dos treze episódios no ar, ainda não cheguei a me decidir sobre o que acho da estratégia; como as linhas mestras que atravessam a temporada são muito importantes, creio que só quando elas se desenvolverem mais plenamente é que elas vão se provar ou não compensadoras. Mas, como Kristen, estou suficientemente intrigada para continuar seguindo esse fio e ver onde ele vai dar.