Enola Holmes, da Netflix, cria uma adorável irmã para Sherlock Holmes
Millie Bobby Brown, a revelação de Stranger Things, transborda vitalidade e iniciativa no papel da caçula que surpreende com seus dotes investigativos
Em um ano de samba atravessado como este, é bem-vindo lembrar que, em condições mais típicas, a vida segue certos ritmos — e é revigorante a graça com que eles vêm reproduzidos em Enola Holmes (Inglaterra, 2020), que estreia nesta quarta-feira, 23, na Netflix. Enola, que de trás para a frente se lê “alone”, ou “sozinha”, é o nome excêntrico que Eudoria Holmes (Helena Bonham Carter) escolheu para a sua filha temporã, irmã caçula de Mycroft e Sherlock Holmes. Já a caminho da idade adulta quando a menina nasceu, os dois mal a conheceram. Mas são repentinamente obrigados a renovar os laços fraternos: em 1884, a libertária e engajada Eudoria desaparece, deixando Enola (Millie Bobby Brown), de 16 anos, apenas com a empregada por companhia na propriedade rural da família.
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Sherlock (Henry Cavill), como é de sua natureza, fica entre divertido e intrigado com a garota independente, transbordante de vitalidade e curiosidade. Já Mycroft (Sam Claflin), também como é de seu temperamento, escandaliza-se com a educação que ela recebeu e que, em sua visão muito convencional e conservadora, falhou em todos os pontos relevantes: Enola não borda, não toca piano, não lê poesia, não tem as maneiras nem o decoro de uma jovem dama de sua posição social — e, o mais grave aos olhos de Mycroft, não tem nenhum interesse em um bom casamento (em compensação, Eudoria instruiu Enola na ciência, no xadrez, nos jogos de palavras, nas artes marciais e em outra arte ainda, a de não dar a mínima para a opinião alheia). Mycroft decide que o destino de Enola é a academia da Srta. Harrison (Fiona Shaw), onde os maus hábitos da garota serão erradicados. Mas ele erra o compasso: não só Enola está na idade da transformação, como o seu mundo, o da era vitoriana tardia, está se transfigurando em ritmo vertiginoso rumo à modernidade. Essas forças, as íntimas e as sociais, colidem umas contra as outras quando Enola foge para procurar a mãe antes que a aprisionem na academia.
Adaptado com inteligência do primeiro livro de uma série de seis da americana Nancy Springer por um veterano da TV britânica, o roteirista Jack Thorne (de This Is England), o filme se vale da tração natural gerada por três fatores diversos: primeiramente, uma estrela em transição para outra fase da carreira (a inglesa Millie, revelada com merecido estrondo como a Eleven de Stranger Things); depois, a nova reviravolta nos costumes capitaneada por uma geração que vive a adolescência em moldes inéditos e que adotou as questões de gênero como prioridade de sua agenda; e, por fim, a pequena revolução instaurada por Fleabag. Harry Bradbeer, o diretor de Enola Holmes, dirigiu onze dos doze episódios da série criada por Phoebe Waller-Bridge, e aqui aplica vários dos recursos a que Fleabag deu uso inovador — em especial o da protagonista que não apenas fala com o espectador, como torna-o seu cúmplice de traquinagem. Como Phoebe, Millie é mestre nas piscadelas, sorrisos de esguelha e apartes com os quais comenta para a plateia suas pequenas (e às vezes muito necessárias) falsidades, aliciando-a e frisando que essa história é sua, e é nos seus termos que ela vai ser narrada.
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Enola Holmes proporciona outro prazer ainda: o de imaginar os primeiros passos de um detetive destinado a se tornar célebre (veja o quadro nesta página). Sherlock encoraja a irmã, em quem percebe talentos promissores, e sem querer a joga no meio de uma intriga: ao escapar de casa, Enola faz amizade com outro fujão pouca coisa mais velho do que ela — o marquês de Tewksbury (Louis Partridge), que está para assumir o assento do pai no Parlamento mas vem sendo perseguido por um assassino. Quem deseja ver o rapaz morto, e por que, são questões que Enola considera urgentes: ela acha Tewksbury um bocado indefeso e teme pela vida dele — e mal consegue disfarçar que o acha uma graça (um sentimento que, aliás, é recíproco). Lançando-se na Londres vitoriana, Enola prova de uma liberdade embriagadora. “Esse era um mundo tão restrito — mas, em seus disfarces, Enola se veste de menino e de mulher, como uma garota de sua idade e como uma viúva recatada. De certa forma, ela experimenta ser todas essas pessoas diferentes”, disse a VEJA Millie, que, com os mesmos 16 anos da personagem, é também produtora do filme. O qual, com suas cadências saborosas, promete novas aventuras e muitas metamorfoses mais à sua protagonista tão empreendedora.
ORIGEM REVELADA
Três detetives tornados célebres na maturidade têm seu início de carreira desvendado em séries atuais
Endeavour (2012 em diante)
Em doze temporadas, entre 1987 e 2000, Inspetor Morse se tornou uma das mais queridas séries policiais inglesas. Endeavour, que já vai pela sétima temporada, retrata o detetive recém-saído do treinamento, na Oxford dos anos 60, e incumbido das primeiras investigações ao lado de um veterano. É um revival de luxo, primorosamente escrito, e estrelado por Shaun Evans.
Prime Suspect: Tennison (2017)
Entre 1991 e 2006, Helen Mirren injetou eletricidade no gênero ao atuar no papel de Jane Tennison, uma das poucas mulheres a ir galgando posições de chefia na polícia metropolitana londrina. Conhecida por ser dura na queda, Jane é vista ainda jovem, hesitante e afoita nesta minissérie ambientada em 1973, no desempenho de Stefanie Martini.
Young Wallander (2020)
Recém-lançada na Netflix, esta nova série adota uma abordagem curiosa: desloca para o presente os primeiros passos do angustiado detetive Kurt Wallander, que o escritor sueco Henning Mankell criou e Kenneth Branagh interpretou em quatro temporadas entre 2008 e 2016. Aqui vivido por Adam Palsson, o personagem é ainda idealista e esperançoso, mas o choque de seu primeiro grande caso vai transformá-lo.
Publicado em VEJA de 23 de setembro de 2020, edição nº 2705
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