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‘Drive My Car’: filme japonês no Oscar tem 3 horas que valem cada minuto

Drama traz sob sua superfície límpida uma turbulência que transforma e fulmina

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 12h26 - Publicado em 18 mar 2022, 06h00

Nos filmes de Ryusuke Hamaguchi, e em particular em Drive My Car (Japão, 2021), os personagens perdem o que lhes é caro dos modos usuais — em razão de fatalidades, ou do correr do tempo, ou de decisões que se provam não serem acertadas. Aquilo que eles ganham, porém, não é dado mas sim conquistado, ao custo de exames íntimos arrasadores e de transformações internas sísmicas que, porém, mal chegam a ser perceptíveis na superfície. Também o espectador pode julgar que são mínimas as agitações provocadas nele por Drive My Car, em cartaz nos cinemas e a partir de 1º de abril disponível na plataforma MUBI. Mas é quase certeza que em algum instante das três horas de filme ele vai ser apanhado na turbulência do protagonista Kafuku (Hidetoshi Nishijima) e dos personagens à volta dele.

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Cinema Japonês. Filmes, Histórias, Diretores

Ator e diretor de teatro embrenhado numa montagem do Tio Vanya de Anton Chekhov, Kafuku tem com a roteirista Oto (Reika Kirishima) um casamento longo e íntimo, que mantém algo do seu mistério nas histórias que Oto tece, em transe, após o sexo. Um dia, Kafuku flagra Oto com um amante, o jovem ator Takatsuki (Masaki Okada), mas não se revela. Pouco depois, Oto morre. E, dois anos mais tarde, o ainda enlutado Kafuku vai a Hiroshima dirigir uma encenação de Tio Vanya com Takatsuki no papel-tí­tulo. Indo e vindo do teatro, ouvindo as marcações da peça em uma fita gravada por Oto, Kafuku e sua motorista, a taciturna Misaki (Toko Miura), mantêm distância. Aos poucos, porém, cria-se uma consciência da pessoa que está ali e do mundo que ela contém (e o de Misaki é uma devastação). Também nos ensaios, enunciando coisas que não ousaria dizer por intermédio do texto de Chekhov, e trabalhando com atores de idiomas diversos — mas uma mesma linguagem, a da prospecção interior —, Kafuku é forçado para fora de si mesmo.

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Três horas podem parecer demais para adaptar o breve conto de Haruki Murakami, mas cada segundo conta para que, junto com seus atores superlativos, Hamaguchi demonstre como uma pessoa só se elucida para si mesma por meio de outra. Em um filme em que a beleza vai se tornando inexorável, alguns momentos fulminam: Kafuku dando a mão a Misaki para subir uma escarpa ou a cena final de Tio Vanya, em que uma atriz que fala por linguagem de sinais (Yu-rim Park) oferece ao personagem o que há de mais raro — amor, e a verdade.

Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781

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