Dois Caras Legais
Russell Crowe e Ryan Gosling nasceram um para o outro – e o diretor Shane Black tratou de juntá-los

Shane Black é o cara que inventou o buddy movie moderno, ou o “filme de parceiro” ao estilo um tiro, uma piada: ele escreveu os roteiros da série Máquina Mortífera (e sou grata a ele, porque ainda não esqueci de como ri no cinema com os dois primeiros, especialmente). Shane Black, além disso, estreou na direção com um filme que eu adoro, o noir destrambelhado Beijos e Tiros, que deu ótimos papeis a Robert Downey Jr. e Val Kilmer quando ninguém queria saber dos dois (e foi em parte para retribuir o favor que ele ganhou a direção de Homem de Ferro 3). Então, Shane Black tem crédito comigo; pode fazer bastante bobagem ainda antes de eu começar a perder a paciência com ele. Mas a melhor notícia, para mim, é que Black não gastou nenhuma das milhas que ele tem acumuladas comigo em Dois Caras Legais. Pelo contrário: o saldo dele aumentou.
A trama de Dois Caras Legais passa bem perto de ser sem pé nem cabeça, mas o filme é tão colorido, borbulhante, divertido e confiante no seu desmiolamento, e Russell Crowe e Ryan Gosling combinam tão maravilhosamente um com o outro (eu nunca suspeitaria), que deu tudo certo: saí do cinema feliz da vida e cheia de músicas ótimas na cabeça. O filme se passa em 1977, e a trilha é uma beleza; vai de Papa Was a Rollin’ Stone, com The Temptations, a Rock and Roll All Nite, do Kiss, mais Earth, Wind & Fire, Bee Gees, America e Al Green até A Garota de Ipanema (que toca no elevador, claro) e a minha preferida da coleção, a esquenta-pista Dazz.
Assim como tem gosto eclético para música pop, Shane Black não discrimina influências: se elas lhe agradam, ele acha um lugar para elas. De forma que Gosling, um detetive particular que vive com medo, e Crowe, que aluga os bíceps (e o pânceps: ele está bem rechonchudo) para quem não quer bater pessoalmente nos outros, se encontram (ou, melhor dizendo, o punho de Crowe encontra o nariz de Gosling) por causa da morte suspeita de uma estrela pornô – e seguem juntos porque entram nesse imbróglio as montadoras de carros de Detroit, Kim Basinger como uma loira gelada do Departamento de Justiça, um grupo de ativistas que protestam porque acham que a poluição de Los Angeles não deixa os pássaros respirar, um assassino bonitão (Matt Bomer) com uma pinta cara na cara que lhe rende o apelido de John-Boy (se você já entrou na casa dos “enta”, vai saber que ele era o personagem principal do seriado-família Os Waltons) e, finalmente, uma lata de filme que é o que liga tudo isso.
Não tente entender, porque eu nem vou tentar explicar. Aliás, desconfio que Shane Black tomou umas e outras (e mais umas, e mais outras) enquanto escrevia Dois Caras Legais. O que talvez tenha prejudicado a clareza, mas ajudou bastante na alegria: os diálogos são deliciosos, a década de 70 é retratada em todo o seu glorioso ridículo, e dá para ver que Russell Crowe (que esteve presente nela) e Ryan Gosling (que nem tinha nascido) estão adorando os bigodões, as camisas floridas e os ternos de cores enlameadas com gola fura-peito. Melhor: estão adorando um ao outro, e ficam mais felizes ainda quando Angourie Rice, que faz a filha pré-adolescente de Gosling, entra na jogada. Angourie, que tinha uns 13 anos durante a filmagem, é uma atriz nata: é uma graça, não tem vícios, não usa aquelas “muletas” típicas de ator mirim e consegue ser precoce sem ser pedante. Juntos, o detetive e o fortão não têm metade do bom senso dela – mas ficam muito gratos por ela emprestar a eles a sua inteligência. No meu mundo dos sonhos, Dois Caras Legais imediatamente viraria um série do Chuck Lorre para entrar no lugar de The Big Bang Theory: teria Crowe, Gosling e Angourie fazendo Dois Caras e Meia.
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DOIS CARAS LEGAIS (The Nice Guys) Estados Unidos, 2016 Direção: Shane Black Com Russell Crowe, Ryan Gosling, Angourie Rice, Matt Bomer, Kim Basinger, Yaya DaCosta, Margaret Qualley Distribuição: Diamond Films |