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“Boy Erased” e a decisão sensata de Cármen Lúcia

O excelente filme de Joel Edgerton sobre “cura gay” trata do desastre que é impor “verdades” – sejam elas quais forem

Por Isabela Boscov Atualizado em 25 abr 2019, 20h51 - Publicado em 25 abr 2019, 19h40
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  • No dormitório da faculdade, Jared (Lucas Hedges) sofre uma tentativa horrível de estupro por parte de um colega de quem se tornou amigo inseparável. O rapaz é tão religioso quanto Jared, e ainda mais confuso e cheio de culpa do que ele por se sentir atraído por alguém do mesmo sexo. O pai de Jared (Russell Crowe) é pastor e profundamente devoto. Ele ama o filho também, e muito. E por isso, por acreditar com toda sinceridade que o melhor que pode fazer por ele é salvá-lo desse pecado, ele o interna em um programa de “cura gay”. A mãe (Nicole Kidman) guarda para si sua hesitação, mais ainda porque Jared acha que talvez deva mesmo ser “curado” do que, a esta altura, ele já não pode mais esconder se si próprio – sua homossexualidade. Na chegada à “clínica” do pastor Sykes (Joel Edgerton, que dirige o filme), seus objetos pessoais são confiscados e ele é avisado de que seu caderno de contos vai ser lido, seu celular vai ser investigado e tudo que é íntimo vai ser esquadrinhado, incluindo-se seus pensamentos, que ele terá de divulgar em detalhe ao pastor. A violência psicológica – e às vezes também física – que se segue só não é indescritível porque o americano Garrard Conley, em cujas memórias o excelente Boy Erased se baseia, conseguiu dar uma medida bem razoável do horror – que só é agravado pelo fato de que as pessoas que o perpetraram tinham certeza de que estavam fazendo a coisa certa (ou ao menos conseguiram se convencer disso; o fim da história de Sykes é bem instrutivo das reais motivações que levam alguém a infligir tanta dor). Boy Erased fala assim, de maneira muito específica, de “cura gay”. Mas é um filme tão lúcido e honesto, tão despido de sensacionalismo e oportunismo, que se recusa a tratar o assunto como “causa”. Seu verdadeiro tema é o perigo que é alguém se crer de posse de uma verdade absoluta – qualquer verdade, em qualquer ponto do espectro político e ideológico. Gente que acha que sabe o que as pessoas devem pensar, fazer, falar ou sentir é um desastre. E, em geral, um desastre que recai sobre os outros.

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    Boy Erased: Uma Verdade Anulada
    (Universal Pictures/Divulgação)

    Nem os condenados que cumprem pena na prisão têm sua privacidade devassada da forma que Conley descreveu, porque isto aqui é bem mais do que punição – é uma desconstrução e então anulação do indivíduo. Por mais que insistam na ideia de “doença” e pecado, então, os defensores da “cura gay” sabem muito bem que homossexualidade não é uma coisa nem outra – tanto quanto ser heterossexual ou, digamos, desinteressado de sexo, é parte do que se é, simplesmente. Para convencer a pessoa de que ela deixou de ser uma coisa para ser outra, é preciso desmontá-la e montá-la de novo do jeito que der – um processo truculento e que necessariamente leva aos piores resultados. Jared/Garrard conseguiu sair da clínica só depois de testemunhar um suicídio e, escondido, telefonar para a mãe, que armou um piti na porta e ameaçou Sykes com polícia. Ainda assim, o pai de Jared tentou convencê-lo a ficar, porque não sabia por onde começar a lidar com a ideia de ter um filho gay. É óbvio que não é fácil para ninguém quando os filhos frustram as expectativas que se alimentou para eles ou, mais duro ainda, contradizem frontalmente sua concepção do mundo. Mas, na tentativa de garantir que o filho usufruísse do que era a sua visão da paz e da felicidade, o pai de Jared por pouco não destruiu todas as chances da família de ter um mínimo que fosse dessa paz e dessa felicidade. Só não conseguiu, ironicamente, porque o filho o amava tanto quanto ele amava o filho: o pastor Sykes perdeu de vez a chance de “converter” Jared quando insistiu em fomentar a discórdia entre ele e o pai.

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    Boy Erased: Uma Verdade Anulada
    (Universal Pictures/Divulgação)

    Vários estados americanos ainda permitem a “cura gay”; a maioria já a considera ilegal. No Brasil, a juíza do Supremo Cármen Lúcia acaba de emitir uma decisão final sobre o assunto: é proibido, da mesma maneira que são proibidos todos os tratamentos clínicos ou psicológicos fraudulentos, que não colaboram para a saúde e ainda a ameaçam. Se um médico promete a um paciente que vai curar um câncer com, digamos, óleo de oliva ou aspirina, ele perde a licença e possivelmente vai preso, porque está enganando pessoas em situação vulnerável com uma promessa sem nenhuma base científica e propiciando uma piora potencialmente irreversível. Da mesma forma, agora fica vetado tentar curar homossexuais do que não é doença – uma decisão tão mais sensata por esse tipo de “terapia” ser em geral impingido ou aceito sob pressão, e por vitimar quase sempre pessoas que ainda estão sujeitas à autoridade alheia.

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    Trailer

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    BOY ERASED – UMA VERDADE ANULADA
    (Boy Erased)
    Estados Unidos/Austrália, 2018
    Direção: Joel Edgerton
    Com Lucas Hedges, Nicole Kidman, Russell Crowe, Joel Edgerton
    Onde: em DVD e nas plataformas on-demand

     

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