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A mudança notável dos monstros de Guillermo Del Toro em ‘Beco do Pesadelo’

O diretor conta a história de um homem em fuga de seus demônios que se junta ao circo nos anos 30 e descobre um terrível dom

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 12h14 - Publicado em 28 jan 2022, 06h00

Stanton Carlisle (Brad­ley Cooper) tem o dom de persuadir qualquer um de qualquer coisa, mas Beco do Pesadelo (Nightmare Alley, Estados Unidos/México, 2021), já em cartaz, não tem pressa de familiarizar a plateia com a lábia de seu protagonista. Durante uns bons quinze minutos, Stan não diz palavra enquanto põe o corpo do pai sob as tábuas do assoalho, toca fogo na casa e sai pelo mundo até dar com os costados em um circo mambembe, no qual se esquiva de pagar a moeda exigida para ver o “selvagem” — na verdade, um homem reduzido a tal bestialidade pelas condições inumanas com que o tratam que, quando lhe atiram uma galinha viva, ele devora o animal ainda se debatendo. O calote de Stan, porém, não passa despercebido ao mestre de cerimônias Clem (Willem Dafoe, novamente fabuloso), que reconhece no rapaz os demônios e o desespero que, juntos ou em separado, levaram cada um dos membros do circo a se juntar à trupe. Desespero é o que não está em falta nesses Estados Unidos de 1939, exaustos pela Grande Depressão. Mas Clem detecta em Stan também a elasticidade de princípios necessária a quem quer sobreviver explorando a credulidade e a morbidez alheias e expondo em troca de alguns centavos tudo o que, no ser humano, possa ser caracterizado como anomalia ou aberração.

O Labirinto Do Fauno

Stan floresce nesse novo meio, que o cineasta Guillermo del Toro, adaptando o romance profundamente desenganado que o americano William Lindsay Gresham publicou em 1946 (e homenageando a versão anterior, de 1947), recria com seus característicos detalhismo e inventividade. Na concepção de Del Toro (leia a entrevista), o circo é cheio de promessas nos seus chiaroscuros noturnos e, assim como seus integrantes, aparece gasto e cansado à luz do dia. A exceção é Molly (Rooney Mara), a jovem órfã protegida por Clem, que assombra o público com a calma com que se submete a correntes elétricas. Stan, claro, deseja Molly. Resta saber como seduzi-la, se ela não quer nada além do que já tem. Talvez a maior inspiração de Del Toro seja o modo como ele articula, para o espectador, que tem diante de si um conto moral à moda dos de Edgar Allan Poe, em que uma pessoa é sempre vítima de si mesma.

A Forma da Água

Na interpretação muito bem calibrada de Bradley Cooper, Stan é solícito, agradável. Mas tem uma nota furtiva e um interesse vivo demais na companhia da vidente Zeena (Toni Collette) e do mentalista Pete (David Strathairn, soberbo), que afoga na garrafa o medo da habilidade com que lia as pessoas e as iludia. Stan não se cansa de perguntar a Zeena e Pete os pormenores do número que eles apresentavam e de aprender com eles. É, na verdade, um discípulo excelente, tão apto quanto o mestre. E bem menos escrupuloso. Quando o circo é trocado na trama pelos ambientes mais ricos da Nova York de 1941, o contraste entre aparência e realidade se repete, dessa vez em clima noir: Stan ficou rico com seu suposto dom psíquico, mas está prestes a ser testado por uma psiquiatra (Cate Blanchett, chiquérrima mas forçada) que se propõe não só a analisá-lo, mas a se tornar sua comparsa. Pobres ou milionárias, as pessoas querem acreditar em algo — um postulado que vale para todas as pessoas, incluindo Stan.

Noturno (Trilogia da Escuridão Livro 1)

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Nos filmes de Del Toro sempre há monstros. Aqui, porém, eles não são fantásticos, mas homens e mulheres que cederam à ganância, à desesperança, ao desejo de manipular ou aos demônios íntimos. Alguns vão pagar o preço antes do fim do filme, outros talvez venham a sair impunes. Para parte dos espectadores, é possível que o filme pareça lento, e é quase inevitável que uma das suas duas metades frustre em comparação com a outra. Mas, para quem achou sem vida A Colina Escarlate, ou açucarado demais o paladar de A Forma da Água, Beco do Pesadelo é uma recompensa — uma mudança de curso que leva Del Toro ao seu território mais pessoal desde o estupendo O Labirinto do Fauno.

Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2022, edição nº 2774

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O Labirinto Do Fauno

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