“Game of Thrones” não é a sua? Três filmes de primeira para ver na Netflix
Um drama, uma comédia e um faroeste moderno, todos da melhor estirpe, fazem a noite de quem não quer saber de intrigas e dragões

A Qualquer Custo
(Hell or High Water, 2016)
Neste faroeste contemporâneo, Chris Pine e Ben Foster são dois irmãos de personalidades contrastantes unidos em torno de um plano: na fenomenal sequência de abertura, eles já estão em plena maratona de roubo a banco. De cada agência em cidadezinhas sonolentas pelas quais passam, levam uma ninharia – só notas de valor baixo. Querem chegar rapidamente a uma determinada quantia e roubá-la toda da mesma instituição, o Texas Midland Bank. Toby (Pine), o irmão racional e taciturno, articula o método. Tanner (Foster), o irmão explosivo, cuida da intimidação e da violência. No encalço deles está outra figura típica do faroeste: o velho homem da lei numa última missão. Marcus Hamilton, o Texas Ranger saborosamente interpretado por Jeff Bridges, é um tipo ardiloso. Prefere pensar a correr, e intui que os dois rapazes não são meros alucinados. São, ao contrário, meticulosos, e têm um propósito muito definido. É hora então de parar de perseguir, decide Marcus, e simplesmente montar uma armadilha. Antes tudo fosse tão simples.

O diretor escocês David Mackenzie oferece aqui propulsão narrativa, tensão dramática, exuberância estilística e desempenhos marcantes. Além disso, ele absorve a cultura e a geografia do Oeste do Texas – terra de gado e de petróleo, de gente perdendo o rancho e de gente bombeando milhões da terra –, com o fascínio dos forasteiros: seu olhar tem um viço que contagia cada cena e cada interpretação. Para os apreciadores do western na sua forma clássica, Mackenzie tem outro imenso prazer a proporcionar: a graciosidade com que ele cita, um a um, os elementos cardeais do gênero. Dos desperados que recorrem ao crime como retribuição para a injustiça às entradas pressagiosas nos vilarejos poeirentos, da boa mulher que reconhece o caráter do bandido aos grupos de justiceiros que se formam espontaneamente para perseguir os renegados, toda a forma tradicional do faroeste está recriada para o enredo contemporâneo de recessão econômica e ganância corporativa. No estrondoso confronto final, tiros voam para todos os lados – e dois personagens transbordam de admiração e ameaça mútuas.
O Pianista
(The Pianist, 2002)
Quase todas as histórias de sobreviventes do holocausto contêm algum momento de heroísmo. Mas, para cada uma delas, é provável que haja outra como a do judeu polonês Wladyslaw Szpilman, em cujas memórias se baseia O Pianista. Os Szpilman moravam em Varsóvia quando os alemães invadiram a Polônia, em 1939. Viviam bem e eram instruídos e, como muitas outras famílias judias, reagiram com certa incredulidade aos primeiros sinais de segregação. Mas foi rápida a queda que levaria até o transporte para o gueto, os trabalhos forçados, a fome, as execuções casuais, os cadáveres largados pelas ruas, a deportação para os campos e o extermínio. Essa escalada tétrica já foi amplamente documentada. O que há de diferente em O Pianista é que Wladyslaw (soberbamente interpretado por Adrien Brody, que ganhou o Oscar) não é um herói na acepção do termo. O músico sobreviveu durante seis anos sem sair de Varsóvia – um entre talvez duas dezenas de judeus que o conseguiram –, às vezes por causa de sua música, outras vezes por sorte. Quase sempre, contudo, resistiu simplesmente por ser capaz de resistir: por se humilhar para pedir ajuda, por ter paciência para enfrentar a solidão, por não ceder ao desespero da fome, por não enlouquecer com o tédio. E também por ter enfrentado a culpa de todos os que não foram mortos, conforme mostra em seu filme o diretor polonês Roman Polanski, também ele um sobrevivente do nazismo.

Polanski tinha 6 anos e morava em Cracóvia quando a guerra começou. No dia em que o gueto foi liquidado, seus pais foram para o campo de concentração de Auschwitz. Ele só escapou porque, na última hora, seu pai fez com que ele fugisse por um buraco no muro. A mãe de Polanski, grávida de quatro meses, foi quase que diretamente para a câmara de gás. Seu pai sobreviveu, mas os dois só se reveriam muito depois de terminado o conflito. Durante a guerra, Polanski vagou pelo interior da Polônia (onde em várias ocasiões serviu como alvo móvel para soldados alemães) ou se refugiou com camponeses. Superficialmente, a revisão de parte desse passado em O Pianista pode ser lida como uma anomalia na carreira do diretor, que sempre afirmou que sua biografia e seus filmes são departamentos distintos, e que só filmou a história de Szpilman porque ela não é a sua. Há alguns anos, porém, a crítica começou a se dar conta de que nada ilumina os filmes de Polanski melhor do que aquilo que a sua biografia lhe ensinou – a claustrofobia do gueto, a persistência do mal, o imperativo da fuga. Ou ainda o instinto de resistir e olhar à frente. Visto por esse ângulo, O Pianista é mais do que autobiográfico. É um testamento.
Superbad – É Hoje
(Superbad, 2007)
Três adolescentes, a duas semanas de terminar o 2º grau, começam a se desesperar com a perspectiva de chegar invictos ao fim do último ano letivo. Dois deles têm em vista candidatas com as quais gostariam de inaugurar sua vida sexual; o terceiro acaba de fazer uma carteira de identidade falsa. Se ela passar pelo crivo dos balconistas de lojas de conveniência, eles terão acesso a vodca e cerveja. Tem-se então uma equação perfeita: se na festa daquela noite (a primeira para a qual foram convidados na vida) eles conseguirem embebedar as meninas, é possível que, com a visão turvada pelo álcool, elas acabem na cama com eles. “Mulheres embriagadas erram. Nós podemos ser esse erro!”, sonha o rechonchudo Seth (Jonah Hill), tentando persuadir seu melhor amigo, o certinho Evan (Michael Cera), a sonhar junto com ele. Seth, Evan e Fogell – que na carteira falsa aparece com o patético nome de McLovin – embarcam, então, naquela saga de tantas outras comédias estudantis americanas. Mas, aqui, ela termina de jeito bem diferente do habitual: em uma celebração das grandes amizades da adolescência, e na admiração por garotas inteligentes, bem-humoradas e cheias de espírito esportivo (uma das quais é Emma Stone, cuja carreira disparou a partir daí – assim como a de todos os outros nomes do elenco).

Todas as razões pelas quais Superbad é tão igual e tão diferente convergem nos seus realizadores – Judd Apatow e Seth Rogen, que aqui ocupam as funções de produtor e co-roteirista. (Rogen, além disso, interpreta um policial que só conseguiria esse posto em caso de extinção, por doença ou hecatombe, de todos os homens em idade de recrutamento.) Mesclando obscenidade e meiguice de maneiras improváveis, eles expõem em detalhes excruciantes o assanhamento de seus personagens. Seth, em especial, é incapaz de dizer uma única frase ou fazer um único gesto que não contenha uma baixaria. Mas Apatow e Rogen são também homens o bastante para assumir sem nenhuma reserva que, se os hormônios ditam, os sentimentos é que inspiram. Nenhum dos três protagonistas recusaria um avanço de um espécime feminino qualquer. Mas trabalham, no limite de seus recursos, para que esse avanço venha das meninas em que fixaram sua atenção – as quais, além dos atrativos óbvios, têm outros mais intangíveis e decisivos. Por exemplo, vivacidade, generosidade e perspicácia para compreender que, embora Seth e Evan às vezes ajam como maníacos, não pode haver nada de tão errado assim com dois sujeitos que são amigos tão leais um para com o outro.