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Isabela Boscov

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O cinema do fim dos tempos: 11 bons exemplos para ver em casa

Não faltam cenários apocalípticos no streaming, mas estes aqui não só estão muito acima da média, como às vezes parecem ter sido feitos com 2020 em mente

Por Isabela Boscov Atualizado em 28 mar 2020, 19h25 - Publicado em 28 mar 2020, 19h24

Invasão Zumbi

Onde: Netflix, NOW

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Ainda que o título pareça autoexplicativo e a ação seja ininterrupta (além de eximiamente concebida), os mortos-vivos não são o centro do filme do diretor Sang-ho Yeon: desde o momento em que a epidemia de zumbis eclode até a última cena, o que está em questão são as exceções que os personagens abrem (ou não) para si mesmos na premência de escapar da fome bestial dos metamorfoseados. Yeon vai além: se sobreviver exige acovardar-se, proteger-se na indiferença ou mesmo abandonar os semelhantes, então o sobrevivente não poderá se acreditar muito mais humano que os zumbis. Esse é o teste a que é submetido o jovem financista Seok (Yoo Gong). Ainda no carro, rumo à estação ferroviária, ele e a filha pequena, Soo-an (Soo-an Kim), percebem uma certa agitação em Seul. Mas só dentro do trem, no trajeto até a cidade de Busan, eles se darão conta da calamidade: um após o outro, passageiros e tripulantes vão se transformando e instaurando o pânico nos vagões. Seok é um pai distante; trabalha muito, convive pouco e está levando Soo-an para Busan apenas para largá-la na casa da ex-mulher. O desespero faz o amor paterno aflorar com violência. Mas a menina não quer ser salva a qualquer custo: quer que o pai ajude outros além dela, porque precisa que ele prove ser o homem que ela imagina. A aflição não dá trégua, o arrependimento é constante. E o horror, esse está não só nos mortos-vivos repugnantes, mas sobretudo na facilidade com que o medo transforma gente em bicho.

Invasão Zumbi
(Train to Busan, 2016) (- Paris Filmes/Divulgação)

Os Curados

Onde: Looke, Prime Video, NOW

Encontrou-se um antídoto para a epidemia de mortos-vivos que flagelou o mundo, e agora os ex-zumbis têm não apenas de conviver com as lembranças do que fizeram nos anos em que estiveram transformados, como precisam também enfrentar a desconfiança e a hostilidade dos que não foram afetados – os quais, compreensivelmente, perguntam-se se a cura é definitiva e completa, ou se os instintos deflagrados pelo vírus persistem, adormecidos, nos curados. Assim, enquanto três quartos da população vivem sob a lei policial imposta pelo outro quarto, as insatisfações e rancores vão se acirrando até o insuportável. Com muito horror e sangue, mas com doses ainda mais fortes de comentário social, este filme irlandês fala de maneira muito direta das tensões latentes que, teme-se, podem propiciar um ressurgimento do terrorismo do IRA da Irlanda do Norte. Mas aplica-se que é uma beleza também a tantas outras situações do presente: a rejeição a imigrantes, os atritos alimentados pelos desníveis sociais, a virulência da direita neofascista – todos, aliás, quadros que a atual pandemia já está potencializando.

Os Curados
(The Cured, 2017) (- Bac Films/Divulgação)

Madrugada dos Mortos

Onde: Netflix, Looke

Antes de Zack Snyder fazer 300 e então assumir as rédeas do universo DC, ele se graduou da publicidade e dos videoclipes para o cinema com esta refeitura do clássico de 1978 de George A. Romero (que é uma continuação, aliás, do A Noite dos Mortos-Vivos de 1968). Mais calcado na ação e menos intenso no comentário social que o original de Romero, é satisfação garantida para quem gosta do apocalipse zumbi servido com doses generosas de sangue, nojeira e violência explícita – mas entrega o que promete, é muito hábil nas marcações do ritmo, e o bom elenco é um bônus. Sarah Polley, Ving Rhames, Mekhi Phifer, Ty Burrell e Jake Weber são alguns dos sobreviventes da epidemia que se alastra quase que instantaneamente por Milwaukee, Wisconsin, no Meio-Oeste americano, produzindo zumbis rápidos e ágeis, ainda que não necessariamente espertos (bater a cabeça continuamente em portas de vidro é um dos passatempos favoritos deles). Refugiado em um shopping center, condenado a ouvir muzak nos alto-falantes e tendo de conter o entusiasmo de um segurança bronco (Michael Kelly), o grupo precisa se entender consigo mesmo e bolar uma estratégia de fuga.

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Madrugada dos Mortos
(Dawn of the Dead, 2004) (- UIP/Divulgação)

Presságio

Onde: Prime Video

Durante uma aula na escola primária, em 1959, os alunos são convidados a desenhar suas visões do futuro e então guardá-las numa “cápsula do tempo”, a ser reaberta cinquenta anos depois. Uma das meninas, em vez de desenhar robôs ou carros voadores, cobre uma folha de papel, frente e verso, com números aleatórios. Em 2009, quando o papel cai nas mãos do astrofísico John Koestler (Nicolas Cage), ele por acaso repara num trecho que não poderia deixar de intrigá-lo – 91101, ou 11 de setembro de 2001. O grupo seguinte de numerais também faz sentido: é 2996, o número de vítimas dos atentados daquele dia. A partir daí, Presságio embarca na febre do protagonista de descobrir que eventos estão expressos na sequência. São desastres aéreos, terremotos e atentados– e quase todos ocorreram nas décadas em que a profecia esteve sob a terra, exceto pelos três últimos, “marcados” para os próximos dias. Ora, que utilidade poderia ter uma previsão do passado? Presságio, que é menos bobo do que parece, sabe que, como está bem estabelecido por exemplo na interpretação dos Evangelhos, a função de um milagre não é chamar atenção para si: ele serve para revelar o divino e instigar a crença nele, de forma a que se atente para as coisas que serão ditas ou mostradas a seguir. À parte um entrecho tolo, que muito prejudica sua meia hora final, a trama é conduzida com pulso firme e encenação imaginativa pelo diretor Alex Proyas, de Eu, Robô.

Presságio
(Knowing, 2009) (- Paris Filmes/Divulgação)

Eu Sou a Lenda

Onde: Netflix, Looke, NOW

Will Smith é Robert Neville, um cientista que, até onde ele próprio sabe, é o único ser humano a ter sobrevivido inalterado a uma epidemia deflagrada por um vírus modificado. Os que não eram imunes, como ele, morreram em decorrência da infecção – ou foram mortos, de maneira selvagem, pelos homens e mulheres que, contaminados, se metamorfosearam em criaturas assemelhadas a vampiros. Como os vampiros, esses mutantes reagem até ao mais sutil cheiro de sangue. E, como eles também, não toleram a luz solar. Durante o dia, portanto, Neville circula em companhia de Sam, a inseparável fêmea de pastor alemão que o protege, por uma Nova York deserta, destruída e que está rapidamente sendo devolvida à natureza. Antes que a noite comece a cair, ele se recolhe à casa que transformou numa espécie de fortaleza e da qual nenhum sinal de existência humana pode escapar. À parte alguns flashbacks, Smith está absolutamente só em cena durante mais de uma hora – até Alice Braga entrar na história, já muito perto do desfecho. Eu Sou a Lenda recupera o enredo de A Última Esperança da Terra, uma ficção clássica de 1971 com Charlton Heston, mas toma muito mais ainda emprestado de Extermínio, o sucesso-surpresa lançado por Danny Boyle em 2002. Como no filme do diretor inglês, a manipulação biológica é o gatilho para um novo holocausto, e as criaturas que surgem da contaminação ainda são seres humanos – mas seres humanos em que os traços mais violentos e agressivos enterraram todos os outros comportamentos. E a cidade deserta é, da mesma forma, um personagem crucial. Faz pensar em algo? Pois é.

Eu Sou a Lenda
(I Am Legend, 2007) (- Warner/Divulgação)

Ao Cair da Noite

Onde: Netflix, NOW

Qual é a natureza do mal que recaiu sobre o mundo? Paul (Joel Edgerton, que assina também como produtor executivo), sua mulher e seu filho não sabem dizer, e não têm a quem perguntar. Nem querem ter: qualquer um ou qualquer coisa lá fora pode trazer para dentro de casa a peste. O sogro de Paul acaba de chegar aos últimos estágios dela; enrolados em plásticos, e usando máscaras e luvas de borracha, Paul, Sarah e Travis despedem-se dele, antes de levá-lo para uma cova na mata, matá-lo com um tiro de misericórdia e então queimar o corpo. Naquela noite, ninguém tem vontade de comer, embora a comida já esteja acabando. E, além do luto e da escassez, há o medo. Todas as portas e janelas da casa já foram tapadas com tábuas bem pregadas, e qualquer latido do cachorro deixa a família em pânico. Uma noite, o cão late, e ouve-se um barulho dentro da casa: alguém mais chegou. Misto de terror e suspense passado num mundo pós-apocalíptico no qual nunca se veem as marcas deixadas pelo apocalipse, Ao Cair da Noite é para quem gosta daquilo que se chama de slow burn – a tensão levada em fervura baixa, esticando os nervos (mas esticando-os bastante) mais do que testando-os com sustos e ação. É quieto, em certos trechos até lento, e deixa muita coisa no ar. Mas o diretor quase-novato Trey Edward Shults, um talento de primeira, se sai com um exemplar excelente de uma corrente que vem ganhando força, a dos filmes pós-apocalípticos que fecham o foco em um sobrevivente, ou no máximo em um pequeno punhado deles. Com o mundo quase inteiro em quarentena, é de apavorar.

Ao Cair da Noite
(It Comes at Night, 2017) (- Diamond/Divulgação)

Um Lugar Silencioso

Onde: Telecine

Os poucos seres humanos que restam sobre a Terra têm de viver em silêncio absoluto; qualquer ruído atrai as criaturas vorazes que praticamente extinguiram a humanidade. No caso de Lee (John Krasinski, que também dirige) e de sua mulher, Evelyn (Emily Blunt, casada com Krasinski na vida civil), essa compenetração é tanto mais difícil porque eles têm filhos pequenos, a quem é difícil controlar. Em outro aspecto, eles se adequaram mais facilmente às exigências desse novo mundo porque sua filha mais velha, Regan, é surda, e a linguagem de sinais já faz parte da vida deles (Millicent Simmonds, a atriz fabulosa que faz Regan, é de fato deficiente auditiva). Com orçamento modestíssimo para os padrões americanos – 17 milhões de dólares –, Krasinski demonstra talento visual surpreendente e usa a imaginação para racionalizar a rotina desse pós-apocalipse passado em uma casa de fazenda cercada de um milharal. Até a trilha do ótimo Marco Beltrami sussurra, apenas, na maior parte do tempo. É poderoso o efeito dessa recriação de uma vida em silêncio completo: imagine não só não ouvir mais o som da sua própria voz e a das pessoas próximas, mas não poder dar um suspiro de cansaço, exclamar de susto, dar uma risada espontânea. Imagine, também, como seria ter de lidar com o mundo físico como se ele fosse um inimigo, pensando antes de dar um passo, manusear um objeto ou despejar água em um copo. Mas, ops, é exatamente isso que estamos vivendo agora, o que redobra a ressonância do filme – cuja continuação, que deveria estrear em 19 de março, foi adiada para data indefinida em razão da covid-19.

Um Lugar Silencioso
(A Quiet Place, 2018) (- Paramount/Divulgação)

O Último Suspiro

Onde: Looke, Telecine, NOW

Uma bruma espessa e amarelada, vinda sabe-se lá de onde, começa a tomar as ruas de Paris, até se depositar como um colchão, imóvel, até a altura dos quartos andares. Quem foi exposto a ela, morreu. Quem conseguiu subir até as clássicas mansardas dos quintos e sextos andares dos prédios parasienses ainda sobrevive. Muitos conseguiram correr para o ponto mais alto da cidade, a colina de Montmartre – mas logo esses morrerão na selvageria que se instala com a falta de água e de alimento, e que este filme muito curioso do diretor Daniel Roby mostra apenas de longe, pelos binóculos de Mathieu (Romain Duris), o pai que junto com a mulher, Anna (Olga Kurylenko), precisa se manter vivo a qualquer custo. Disso depende a sobrevivência da filha do casal, que sofre de uma síndrome imunológica grave e está cercada da fumaça letal em sua bolha de vidro e plástico. Os filtros da bolha são alimentados por baterias; em algum momento, as baterias vão acabar, o que obriga Mathieu a sair às ruas, ao mesmo tempo em que a bruma começa a subir va-ga-ro-sa-men-te. Como no também francês A Noite Devorou o Mundo, sobre o qual você pode ler no texto logo abaixo, esse estranho apocalipse é levado na base da tensão discreta porém crescente, como um torniquete que se vai apertando aos poucos.

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O Último Suspiro
(Dans la Brume, 2018) (- Califórnia/Divulgação)

A Noite Devorou o Mundo

Onde: Telecine, NOW

Sam (Anders Danielsen Lie) apareceu na casa da ex só para pegar uma caixa com seus pertences, mas encontrou uma festa rolando e, chateado, trancou-se em um dos quartos e adormeceu. Barulhos estranhos o despertam: quando ele sai, o apartamento está um caos. Está também vazio – e com as paredes e o chão lavados em sangue. O inimaginável aconteceu: o apocalipse zumbi chegou a Paris. Mas este não é propriamente um filme de terror; é sobre o mais aterrorizante dos destinos – a solidão. Quando entende o que se passou, Sam fica mais ansioso do que amedrontado; em uma cultura pop hoje tão obcecada com a ideia de um apocalipse, a concretização dele não chegaria a ser uma surpresa. É quase um alívio: agora aconteceu, e pronto. Metódico, Sam sela todas as entradas, isola os apartamentos que contêm mortos-vivos, recolhe comida e utilidades, inventaria o que tem à mão, limpa a casa. Ouve música, toca instrumentos, exercita-se nos corredores. Faz amizade, digamos assim, com um zumbi preso atrás de uma grade: pouco a pouco, a solidão terrível vai se insinuando nessa rotina, até levar a desenvolvimentos inesperados. A cena final parece deixar as coisas em aberto. Mas pense bem nela; é um lance de mestre. Embora A Noite Devorou o Mundo seja o mais atípico dos filmes de apocalipse zumbi, ele de certa forma vai direto ao coração do tema. Que cara teria a vida em uma eventualidade como essa? Provavelmente, a mesma cara da vida que, nestes últimos anos, fez os mortos voltarem à vida com força total no cinema e nas séries – esse sentimento de desconexão, de isolamento, de indiferença e de segregação que torna a ideia tão presente.

A Noite Devorou o Mundo
(La Nuit A Dévoré le Monde, 2018) (- Califórnia/Divulgação)

Guerra Mundial Z

Onde: NOW

Brad Pitt é Gerry Lane, ex-analista de campo da ONU que resolveu virar simples pai de família em Filadélfia. Parados no trânsito, a caminho da escola, Gerry, sua mulher (Mireille Enos) e as duas filhas pequenas mal têm tempo de registrar os sinais – uma correria, um pânico súbito – de algo anormal: em segundos, pessoas de olhos esgazeados estão arrancando os passageiros de dentro dos carros, lançando-se de cabeça contra os para-brisas para arrebentá-los, mordendo aqueles que conseguem agarrar e transformando-os também, instantaneamente, em criaturas de agressividade incontrolável. Da fuga de Filadélfia para o abrigo em navios, e destes para a Coreia do Sul e Jerusalém – esta, uma sequência espetacular –, Guerra Mundial Z combina o terror puro e simples (e a maneira animalesca como os zumbis se movem, cooperando como uma colônia de insetos) com pinceladas de reflexão geopolítica. De quebra, surpreende com uma inversão: em vez de fazer a ação escalar até o bombástico, encerra-a com uma sequência quase silenciosa, num ambiente fechado e vazio, no qual meia dúzia de personagens tenta passar despercebida de um punhado de zumbis. Um dia, quem sabe, este misto tenso – e muitas vezes arrepiante – de terror e thriller há de ficar melhor ainda: apesar dos sucessivos adiamentos, não está eliminida a hipótese de que ele finalmente ganhe a continuação tão prometida.

Guerra Mundial Z
(World War Z, 2013) (- Paramount/Divulgação)

Todo Mundo Quase Morto

Onde: Netflix

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Shaun (Simon Pegg, impagável) sai para comprar uma Coca-Cola e depara com as cenas de sempre: um carro com o pára-brisa quebrado, lixo espalhado pela calçada, gente caminhando trôpega pelo meio da rua. Enfim: uma típica manhã de domingo (em outras palavras, pós-bebedeira de sábado) em Londres. Como, então, Shaun poderia ter notado que a civilização acabou e os zumbis tomaram a cidade? Não poderia, claro. Todo Mundo Quase Morto pode parecer uma escolha estranha para esta lista, mas oferece uma hora e meia de descontração e é um desses momentos de genialidade do cinema inglês: uma comédia que satiriza, com amor, não só os filmes de zumbis – especificamente o ultraclássico O Despertar dos Mortos, de Goerge Romero –, mas a própria Inglaterra. Shaun e seus amigos, por exemplo, pensam, pensam e pensam numa alternativa de refúgio. E, claro, só conseguem ter uma ideia (a de sempre): o pub (no original americano, corria todo mundo para o shopping). A meio caminho, cruzam com outros sobreviventes. Todos ensanguentados, e carregando pás e tacos de críquete cobertos de fragmentos de zumbis, eles iniciam as apresentações: “Yvonne, como vai? Esta é minha mãe. E acho que você já conhece a minha namorada”. Seria surreal, se não fosse tão fiel à filosofia britânica de que desgraças devem ser aceitas graciosamente, e com o ar mais distraído possível. É paródia no seu mais engraçado e debochado – e mais cheio de vida.

Todo Mundo Quase Morto
(Shaun of the Dead, 2004) (- Universal/Divulgação)
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