O fenômeno ‘Se a vida te der tangerinas’: da Coreia ao topo da Netflix
O k-drama oferece uma imersão rara na cultura coreana e reafirma que boas histórias ultrapassam fronteiras

“Se a vida te der tangerinas”, na última sexta-feira, dia em que seus episódios finais foram ao ar, se tornou a série não falada em inglês mais assistida da Netflix. Inspirada em fatos reais vividos por dois moradores da Ilha de Jeju — famosa por suas plantações de tangerinas — a produção mergulha na cultura e nas tradições sul-coreanas, retratando a vida rural nos anos 1960, os papéis de gênero da década de 1960 e costumes da vida rural ainda pouco conhecidos pelo público internacional.
O drama tem uma narrativa rica em referências culturais, como as “haenyeo” (mergulhadoras que coletam frutos do mar no oceano sem equipamento), mostra personagens falando em dialetos tradicionais, além de canções coreanas que servem como trilha sonora de acordo com a linha do tempo da série. Crenças e superstições profundamente enraizadas na cultura coreana também são exibidas em “Se a vida te der tangerinas”, como a de que mulheres não podem entrar em navios porque trariam má sorte.
Park Bo-gum, um dos atores mais importantes da K-cultura e protagonista da série, revelou em uma entrevista que “histórias humanas conectam as pessoas com todas as partes do mundo”, embora elementos profundamente ligados à cultura coreana possam ser desafiadores para o público internacional:
“É fascinante e surpreendente que histórias de conexões humanas e familiares, impregnadas de sentimento coreano, possam repercutir até mesmo em outros países”.
Apesar da série ser protagonizada por grandes estrelas, como a cantora IU e Park Bo-gum liderando o grande elenco, os fãs apontam temas universais e bem recriados pelo K-drama, como amor e família, para explicar o apelo. O roteiro do k-drama é assinado por Lim Sang-choon (entre outros sucessos, “Para sempre Camélia”) e tem a direção impecável de Kim Won-suk.
Especialistas acreditam que os temas universalmente repercutidos transmitidos por meio de um bom ritmo contribuem ainda mais para a popularidade do programa. Segundo o crítico de cultura pop Jung Ji-ouk, dramas familiares têm o maior potencial de sucesso, independentemente da nacionalidade:
“O fato de que toda a família pode assistir junta e que conta a história de uma família dá a ele um senso de universalidade.”
Park Ki-soo, professor do departamento de conteúdo cultural da Universidade Hanyang, também aponta o ritmo da série:
“Em vez de ter o enredo se desenvolvendo rapidamente, focando apenas em eventos, ou se arrastando como um drama diário, causando exaustão emocional, a série apresenta cenas emocionalmente impactantes e então oferece um momento de descanso antes de passar para o próximo capítulo.
Depois de um pico emocional, isso garante que haja espaço suficiente para o que chamamos de tremores emocionais secundários se estabelecerem. Isso faz com que o drama permaneça com o público por mais tempo. Além disso, a série emprega motivos narrativos atemporais que repercutem em todas as culturas.”
O professor Park Ki-soo também cita a jornada da personagem principal, Ae-sun (IU), que perde os pais. Na trama, ela é passada de casa em casa, quase como um fardo indesejado:
“Este é um motivo muito comum. Uma heroína enfrentando dificuldades, após perder seus pais, ecoa histórias como ‘The Little Princess’, evocando naturalmente ressonância emocional “, disse Park . “Para a geração mais velha assistindo a este drama, tais experiências eram bastante comuns em sua época.”
O professor da Universidade de Hanyang acrescentou que o personagem de Park Bo-gum incorpora outro clichê familiar: o amigo de infância firme que se torna um protetor, uma reminiscência do arquétipo do “Tio alto e gentil” do romance de 1912
“Papai-Pernas-Longas”, que continua a repercutir no público feminino.
“Como o aspecto universal da família e os outros códigos universais estão interligados, definitivamente há elementos em (‘When life gives you tangerines’) com os quais as pessoas que assistem de uma perspectiva global podem se identificar”, disse Park.