Vídeo: Seu Jorge dá canja no Pagode dos Arlindos
Cantor interpretou sambas de enredo como "Os sertões" e "É hoje"

O cantor Seu Jorge apareceu no Pagode dos Arlindos desta sexta-feira (18) no Clube Santa Luzia, no Rio de Janeiro, para comemorar os 57 anos de Arlindo Cruz, completados no dia 14, e deu uma ótima canja na roda de samba também comandada pelo filho do aniversariante, Arlindo Neto.
Seu Jorge subiu no palco inicialmente para cantar apenas o sucesso “Pretinha”, do seu repertório, mas depois voltou para emprestar o vozeirão a sambas de enredo históricos como os dois do vídeo abaixo, gravado por mim: “Os sertões”, da escola Em Cima da Hora, de 1976, baseado na obra de Euclides da Cunha; e “É hoje” (o dia da alegria…), da União da Ilha, de 1982, que as novas gerações conheceram pela regravação pop de Fernanda Abreu.
Reproduzo abaixo a letra do primeiro, com a devida explicação.
Eu estava lá para matar saudade dos sambas de Arlindo, mas a literatura também entrou na roda.
Assista.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=1HZ1-Ip4hOc?feature=oembed&w=500&h=281%5D
Os sertões (1976)
Marcado pela própria natureza
O Nordeste do meu Brasil
Oh! solitário sertão
De sofrimento e solidão
A terra é seca
Mal se pode cultivar
Morrem as plantas e foge o ar
A vida é triste nesse lugar
Sertanejo é forte
Supera miséria sem fim
Sertanejo homem forte (bis)
Dizia o Poeta assim
Foi no século passado
No interior da Bahia
O Homem revoltado com a sorte
do mundo em que vivia
Ocultou-se no sertão
espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei
Que a sociedade oferecia
Os Jagunços lutaram
Até o final
Defendendo Canudos (bis)
Naquela guerra fatal
* O historiador Luiz Antonio Simas, coautor, ao lado de Alberto Mussa, do ensaio “Samba de Enredo, História e arte”, lançado pela editora Civilização Brasileira (2010), descreveu assim o samba acima:
“Os Sertões, o livro de Euclides da Cunha, é um calhamaço de mais de 500 páginas, dividido em três partes: a terra, o homem, a luta. Retrata, com a linguagem caudalosa do gênio, a Guerra da Canudos, ocorrida em 1897 no sertão da Bahia. Enviado ao cenário do conflito como jornalista, Euclides foi além dos limites da reportagem e escreveu uma obra maior da literatura universal.
Quando a Em Cima da Hora, a tradicional agremiação de Cavalcante, anunciou o enredo para o Carnaval de 1976, muita gente boa considerou a tarefa dos compositores de samba-enredo uma das mais complicadas da história dos desfiles: o tema era exatamente ‘Os Sertões’.
É possível sintetizar a obra de Euclides da Cunha em um samba? É viável carnavalizar um episódio dramático como a Guerra de Canudos, dos mais trágicos e impactantes da história do Brasil? Que diabos a Em Cima da Hora pretendia com os Sertões?
Quanto à primeira tarefa, o resultado foi simplesmente o mais surpreendente da história da folia. O samba-enredo, composto pelo mecânico Edeor de Paula (foto), realizou certamente a mais bem-sucedida síntese da história da música brasileira em qualquer gênero e em qualquer tempo.
A primeira parte, em tonalidade menor (mais conveniente ao lamento da dureza da vida), caracteriza a aridez do cenário em versos curtos e geniais (‘ó solitário sertão / de sofrimento e solidão / a terra é seca / mal se pode cultivar / morrem as plantas / e foge o ar / a vida é triste / neste lugar’), e define, no refrão do meio, o homem do sertão com a sentença mais famosa de Euclides da Cunha (“sertanejo é forte/supera a miséria sem fim/ sertanejo homem forte/dizia o poeta assim”).
A segunda parte, em tonalidade maior, mais adequada ao relato de um combate, remete aos lances dramáticos da guerra. Localiza Canudos no contexto da Primeira República, enfatiza a rebeldia mística de Antônio Conselheiro e termina com a exortação aos jagunços que defenderam o arraial. É uma aula! Não à toa, o samba é dos mais utilizados por professores de História que (como eu) trabalham a questão de Canudos com alunos do Brasil inteiro. (…)”
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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