Dilma Rousseff e seus três mosqueteiros contra o impeachment
Entenda as artimanhas de Luiz Edson Fachin, Renan Calheiros e Rodrigo Janot

Depois do STF, o Senado, a PGR, o Planalto e a AGU deram sincronizadamente uma banana para a Câmara dos Deputados. Mas vamos por partes:
1) Luiz Edson Fachin, eleitor de Dilma e ministro do STF, determinou a interrupção do rito de impeachment após a derrota da chapa do governo na eleição para a comissão especial que analisará o pedido acolhido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
O rito será definido em sessão plenária do STF na próxima quarta-feira, dia 16, para a qual Fachin prometeu levar uma proposta de regras para a tramitação do impeachment.
Sim: como se pudesse tirá-las da própria cabecinha militante.
2) Renan Calheiros, aliado de Dilma, indicou aos ministros do STF que o Senado Federal, presidido por ele e onde a base da petista é mais sólida, pode não abrir o processo de impeachment, mesmo que a Câmara decida pela abertura com os votos de pelo menos 2/3 dos deputados.
Mas vamos por partes.
Os ministros deverão decidir, se aprovado o andamento, em que momento a suposta presidente é obrigada a se afastar do cargo por 180 dias: se após votação na Câmara, como aconteceu com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, ou só por ordem do Senado.
Isso porque, segundo a Lei 1079/50, a suspensão do exercício das funções de presidente ocorre imediatamente após a Câmara receber a acusação.
Já o artigo 86 da Constituição diz o seguinte (com grifos meus):
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
A questão levantada por Renan, aparentemente, é vocabular.
Em vez de depreender da palavra “instauração” o simples fato de que o Senado vai dar início ao processo de julgamento (já que “instaurar” é mesmo “dar início a”), Renan quer fazer crer que a instauração pressupõe a decisão sobre iniciar ou não o julgamento previamente estabelecido.
Mais uma artimanha para salvar Dilma Rousseff.
3) Rodrigo Janot, protetor de Dilma nomeado por ela, considerou inconstitucional a sessão com votação secreta que escolheu os integrantes da comissão e recomendou aos ministros do STF que decidam pela anulação da sessão e determinem a realização de uma nova, com votação aberta.
“Sigilo de votações na Câmara dos Deputados e no Congresso Nacional é medida excepcional, pois a Constituição da República determina como regra publicidade e transparência dos atos de todas as esferas de Poder (art. 37)”, afirmou Janot.
Na verdade, o art. 37 não fala de “transparência”, mas de “publicidade e eficiência”:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…).
Pelo princípio da publicidade, entende-se que a Administração Pública não deve cometer atos obscuros, à revelia da sociedade e dos órgãos de controle, devendo divulgar suas ações de forma ética e democrática, ou seja: tudo que Dilma violou reiteradamente nos crimes fiscais de que é acusada.
Já a votação na Câmara e o resultado final foram divulgados e até transmitidos pela TV, sendo secreto apenas o modo como cada parlamentar votou, porque o artigo 188, inciso 3, do regimento da Câmara, solenemente ignorado por Janot em seu parecer, assim o prevê para qualquer eleição interna.
“Nas deliberações em processo por crime de responsabilidade do Presidente da República, não há espaço para votação secreta. O texto constitucional, ao tratar da matéria, não autoriza deliberação sigilosa e determina que lei especial disponha sobre o tema”, afirmou Janot.
A Constituição tampouco desautoriza “deliberação sigilosa”: há apenas, como o próprio Fachin escreveu, uma “ausência de previsão constitucional ou legal” a respeito – e não é por outro motivo que Janot tem de recorrer a princípios genéricos para embasar sua opinião sobre o caso específico.
A lei especial é a 1.079/1950, que, como diz Janot, “apenas determina que a comissão será eleita (art. 19)”, mas “não é possível extrair desse dispositivo que o legislador haja autorizado votação secreta para definir-lhe a composição”.
Verdade. O que autoriza a votação secreta é o regimento da Câmara. Ou seja: o STF terá de escolher se aplica a este procedimento próprio do Poder Legislativo um princípio genérico da Constituição, como quer Janot, ou se legitima o uso do regimento para definir aquilo que a Constituição não esclarece.
Eu voto por esta opção, contra a interferência do Judiciário em outro poder.
De resto, o PGR endossou uma das teses de Renan, opinando que o afastamento de Dilma só se daria quando o Senado aprovar, por maioria simples, o início do processo de impeachment.
Em compensação, Janot indeferiu o pedido dos partidos governistas na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) para que Dilma tivesse direito a defesa prévia.
Era, literalmente, o mínimo que ele podia fazer.
4) Dilma Rousseff, no entanto, pediu ao STF a anulação do acolhimento do pedido de impeachment por Eduardo Cunha, alegando que ele não garantiu, antes, o direito de defesa da petista.
O documento, assinado pela AGU de Luís Inácio Adams, ainda ecoa a tese de Renan sobre o poder de decisão do Senado na instauração do processo e de Janot sobre todas as votações do caso no Congresso serem abertas.
O circo está formado.
Gilmar Mendes indicou que nenhum ministro deverá pedir vista na quarta-feira, mas não será surpresa se algum o fizer. Assim como não é surpresa que, havendo nuances no caso, os três mosqueteiros de Dilma – ou quatro, com Adams – fiquem todos do seu lado.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
Siga no Twitter, no Facebook e na Fan Page.