Eurocopa marca regresso de camisas de manga longa ao futebol
Apesar do calor, diversas estrelas do torneio têm recorrido aos modelos de inverno, que andavam sumidos diante do sucesso das "térmicas"
Torcedores mais atentos, especialmente os colecionadores de camisas de futebol, devem ter notado um aguardado retorno em diversas partidas da Eurocopa: o dos uniformes de mangas longas, que, como mostrou reportagem especial de PLACAR em 2019, estavam praticamente em extinção.
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Apesar do calor no velho continente, diversos atletas vêm recorrendo aos modelos de inverno, e não apenas apreciadores de longa data, como Cristiano Ronaldo e Antoine Griezmann, mas também jovens como os alemães Kai Haivertz e Leroy Sané, o espanhol Álvaro Morata.
Cabe, porém, uma ressalva que não deve agradar os fãs camisas de mangas longas, geralmente vistas como mais elegantes e itens mais valiosos em coleções: os modelos usados por Cristiano Ronaldo e companhia na Euro são exclusivos, feitos sob demanda, e, a princípio, marcas como Adidas e Nike não têm planos de colocá-los à venda.
Devido às altas temperaturas, a maioria dos atletas da Euro ainda mantêm o hábito de jogar de mangas curtas. A moda que tomou conta nos últimos anos, a de utilizar camisas de manga curtas e uma térmica ou “segunda pele” de manga longa por baixo, sempre nas mesmas cores da manga da camisa, também foram notadas em estrelas como o dinamarquês Christian Eriksen (que teve de deixar o torneio após sofrer um dramático ataque do coração na estreia) e o inglês Mason Mount.
Como os modelos foram entrando em extinção
O aparente regresso ainda ocorre em número quase irrisório comparado ao que se via décadas atrás, quando as camisas de manha longa eram a regra, especialmente em jogos no frio europeu, e também eram facilmente encontradas pelos torcedores. “Eu lamento, pois as camisas de manga comprida são extremamente elegantes. Para mim, elas são a representação da moda do futebol”, contou há dois anos a PLACAR o designer holandês Floor Wesseling, que trabalhou durante cinco anos na fabricante de material esportivo americana Nike e atestou o sumiço da peça.
O modelo de uniforme que vai até o punho dos jogadores remete às origens do esporte mais popular do planeta. No Museu do Futebol de Manchester, destaca-se uma camisa branca desbotada usada no primeiro amistoso internacional de seleções, entre Inglaterra e Escócia, em 1872. O modelo é feito de lã grossa, a forma disponível na época para se proteger do inverno europeu.
A tecnologia avançou e as roupas foram ganhando os mais variados materiais – hoje em dia existem camisas feitas a partir do plástico reciclado de garrafas PET. Alguns atletas transformaram as camisas de manga longa em sua marca registrada. O maior adepto do modelo, e que tornou o uniforme de inverno um ícone fashion, talvez tenha sido o inglês David Beckham, conhecido tanto por sua precisão para bater na bola quanto por sua vaidade.
A preferência do galã do Manchester United por cobrir os braços tatuados em nome do estilo desafiava até os termômetros. No Mundial de Clubes de 2000, sob o sol de quase 40 graus no Maracanã, Beckham chocou a todos ao aparecer de mangas longas, ao contrário de seus companheiros, diante do clube mexicano Necaxa. Coincidentemente ou não, foi para o chuveiro mais cedo, expulso ainda no primeiro tempo.
A moda perdurou até o surgimento das camisas térmicas. “Hoje, 99% dos atletas jogam com o que chamamos de ‘segunda pele’”, revelou Caio Campos, então diretor de marketing do Corinthians, sobre o modelo ajustado ao corpo, que ajuda a regular a temperatura corporal tanto em dias quentes quanto frios. O modelo está sempre por debaixo dos uniformes — a própria Fifa já regulamentou seu uso, exigindo que a segunda pele siga as cores da camisa vestida por cima. Em dias de calor, os jogadores usam uma térmica regata ou de manga curta. No frio, o modelo de compressão é de manga longa. Já a camisa de jogo, salvo raríssimas exceções, é sempre de manga curta. E as razões são econômicas.
“Quando comecei a desenhar camisas de futebol para a Nike, em 2011, a marca decidiu parar de fazer mangas compridas para os jogadores, e também para os torcedores, para empurrar o mercado na direção das camisas térmicas”, confirma o holandês Wesseling. “Essa mudança mundial inicialmente ocorreu como uma exigência dos próprios atletas. A maioria tem preferência pelas camisas térmicas, pela tecnologia, por ser um produto leve e ficar mais justo ao corpo”, afirmou Marcelo Gomes, gerente de marketing da Kappa. Há aí uma clara estratégia de marketing: ao exibir a camisa de jogo mais a “segunda pele”, as marcas promovem dois produtos de uma vez. Uma camisa modelo “torcedor” – sem a mesma tecnologia de absorção de suor – custa em média 250 reais. Já a segunda pele, usada por baixo do uniforme, sai em torno de 100 reais. Segundo Marcelo Gomes, as marcas gastavam cerca de 10% a mais para produzir uma camisa de manga comprida.
A extinção da peça estilosa foi do campo para as lojas. Atualmente, trata-se de uma missão praticamente impossível encontrar modelos de manga comprida. Nem mesmo clubes de países frios como a Rússia oferecem tal opção em suas lojas virtuais. E até muitos goleiros, que em décadas passadas ostentavam uniformes mais grossos, por vezes emborrachados nos braços e cotovelos, aderiram à nova moda das mangas curtas combinadas com as camisas térmicas.
Cristiano Ronaldo e Griezmann, os rebeldes
Floor Wesseling foi o responsável por desenhar as camisas da Nike para a Copa do Mundo de 2014, incluindo o uniforme da seleção brasileira. A VEJA, o designer holandês revelou a demanda feita por uma estrela do futebol mundial, que insiste em resistir à mudança. “Apenas uma pessoa se recusou a usar apenas camisas de manga curta: Cristiano Ronaldo. Por exigência dele, Portugal foi a única seleção com modelos de manga longa disponíveis na Copa do Brasil.”
O astro da Juventus, no entanto, parece ter aprendido a lição de Beckham. No calor de Salvador, optou pelas convencionais mangas curtas na derrota para a Alemanha. No empate diante dos EUA, na sufocante umidade de Manaus, até tentou usar as mangas longas, mas desistiu no intervalo. Só na última partida, a vitória contra Gana, em Brasília, Cristiano conseguiu utilizar a vestimenta de sua preferência durante todo o jogo, justamente quando marcou seu único gol naquela Copa.
Superstição ou estilo? Cristiano nunca explicou ao certo sua predileção, mas os fãs mais atentos notaram uma coincidência. Foi com os braços à mostra que o craque viveu suas maiores frustrações no início de carreira: a derrota em casa para a Grécia na final da Eurocopa de 2004 e a eliminação para a França na semifinal do Mundial de 2006. Desde então, Cristiano raramente abriu mão das camisas de manga longa em momentos decisivos. E foi com elas que ergueu cinco Ligas dos Campeões e a Euro de 2016.
Cristiano manteve o hábito nesta Euro e não é o último romântico. O francês Antoine Griezmann também costuma pedir às equipes que produzam camisas de inverno exclusivas para ele usar. Na final da Copa do Mundo de 2018, diante da Croácia, Griezmann foi o único atleta a cobrir os braços em Moscou. “Gosto de mangas longas e da camisa 7 por causa do Beckham. É meu ídolo”, explicou Griezmann em entrevista à revista GQ.
No futebol, só não vale jogar de “regata”
Se as camisas de manga longa correm risco de extinção, outro modelo está terminantemente vetado do futebol há anos: as camisas regata, utilizadas tradicionalmente no basquete. Em 2002, a Puma e a seleção de Camarões até tentaram provocar uma ruptura na moda futebolística, mas acabaram esbarrando nas normas da Fifa. O time liderado por Samuel Eto’o venceu a Copa Africana de Nações no início do ano vestindo um revolucionário modelo sem mangas, para enfrentar o forte calor no continente – e, claro, faturar com a novidade.
O time, no entanto, foi proibido pela Fifa de utilizar o mesmo modelo na Copa do Mundo da Coreia do Sul e do Japão. A regata uniforme foi considerada pela entidade como “um colete, não uma camisa”. Além disso, a Fifa justificou o veto dizendo que seria preciso um espaço com tecido no braço dos jogadores para incluir os “patches”, como são chamados os brasões oficiais do torneio estampados nos uniformes. Camarões, então, teve de adaptar seu uniforme costurando mangas pretas, deixando o verde da regata original em evidência. Nas Copas seguintes, a Fifa adotou regras mais rígidas (não permite uniformes com mangas de cor diferente, por exemplo).