Triunfo de ‘O Agente Secreto’ em Cannes atesta boa fase do cinema nacional
As vitórias colocam o filme rumo à corrida em busca de indicações ao Oscar

O clima nos corredores do Festival de Cannes foi de celebração quando o nome de Wagner Moura foi anunciado como melhor ator por seu trabalho no filme O Agente Secreto. Honraria então inédita para o Brasil, o troféu foi comemorado por críticos e jornalistas de nacionalidades diversas na sala de imprensa do tradicional evento francês. Ao mesmo tempo, veio o gosto de resignação: o prêmio de Moura significava que o maior título da noite, a Palma de Ouro, e outros que ainda estavam por vir não seriam do Brasil. Isso porque o regulamento de Cannes proíbe que um filme seja premiado em mais de uma das principais categorias. As exceções são raríssimas e burocráticas. O júri precisa defender com unhas e dentes a escolha para a direção do festival antes de dar dois troféus ao mesmo filme. Por isso, foi com surpresa que até o próprio Kleber Mendonça Filho reagiu ao ser anunciado como ganhador do prêmio de melhor direção. “Eu já estava tomando champanhe”, brincou ele antes do discurso. A Palma, de fato, não veio — mas a dobradinha conquistada por Moura e pelo cineasta pernambucano colocou O Agente Secreto no radar da crítica mundial, de outros festivais e, claro, das futuras grandes premiações — entre elas, o Oscar.

A boa recepção do filme, um thriller de época ambientado em 1977, no Recife, onde um cientista se refugia por estar sendo perseguido, ilustra o momento de ouro pelo qual passa o cinema brasileiro — e, se tudo der certo, não será só uma fase. Uma semana antes de Walter Salles subir ao palco para receber o primeiro Oscar do país, por Ainda Estou Aqui — que somava três indicações, entre elas a inédita para o Brasil, de melhor filme —, o longa O Último Azul, dirigido por Gabriel Mascaro, com Rodrigo Santoro no elenco, conquistou o Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim. Em Cannes, o cinema nacional foi celebrado em eventos paralelos, entre eles um que premiou duas mulheres que se destacaram no setor: a atriz Nicole Kidman e a diretora brasiliense Marianna Brennand, nome por trás do drama Manas.
Ambos os títulos seriam bons concorrentes para tentar uma vaga na categoria de melhor filme internacional do Oscar, mas tirar essa oportunidade das mãos de O Agente Secreto seria um erro: antes de passar pelo crivo da premiação lá fora, um filme deve ser indicado pela Academia Brasileira de Cinema para representar o país na categoria específica.
Enquanto isso não acontece, o longa e sua equipe seguem a peregrinação trilhada por Salles, Fernanda Torres e Selton Mello, que passaram meses viajando entre festivais e dando entrevistas para a imprensa mundial. O próximo destino de O Agente Secreto, já marcado para o começo de junho, é o Festival de Sydney, na Austrália, onde compete com O Último Azul. “Depois de Sydney, eu devo ir a festivais na Europa também em junho e julho”, detalhou o diretor a VEJA. Mendonça Filho ressalta também estar muito envolvido com o lançamento no Brasil, que acontece no segundo semestre, começando por Recife. “O filme precisa chegar muito bem aqui e, paralelamente, tenho os compromissos internacionais com festivais que são muito importantes.” O caminho é longo e segue rumo aos Estados Unidos, onde O Agente Secreto chega com uma vantagem que Ainda Estou Aqui não tinha: uma distribuidora respeitadíssima. Em Cannes, o filme de Kleber teve os direitos adquiridos pela Neon, que nos últimos anos levou ao Oscar títulos como Parasita, Anatomia de uma Queda e Anora, o grande vencedor deste ano. Em Hollywood, o envolvimento da Neon com um filme lhe confere um “selo de qualidade” que chama a atenção dos votantes do Oscar. “O fôlego que um filme precisa de agora até o fim de uma campanha é algo que uma distribuidora como a Neon é altamente capaz de fornecer. Então, é uma grande vitória”, diz Juliana Sakae, cineasta e fundadora da Sakae PR, agência especializada em campanhas de premiações.

Outro trunfo na manga é a presença de Wagner Moura, figura já conhecida dos gringos. O ator baiano possui uma carreira internacional consolidada, que ganhou peso com a série Narcos (2015), da Netflix, na qual ele interpretava Pablo Escobar. De lá para cá, sua visibilidade aumentou exponencialmente: estrelou no ano passado o badalado filme Guerra Civil, de Alex Garland, ao lado de Kirsten Dunst, e, recentemente, lançou a série americana Ladrões de Drogas, da Apple TV+, dividindo cena com o indicado ao Oscar Brian Tyree Henry. Ele nem pôde receber o prêmio de Cannes em mãos, pois estava no set de um novo filme, em Londres. Em breve, Moura vai também estrear na direção em Hollywood, em um longa estrelado pela atriz americana Elisabeth Moss. O futuro parece promissor. E o Brasil, hoje, pode se gabar de ser o país do cinema.
Com reportagem de Mariane Morisawa, de Cannes
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2025, edição nº 2946