‘Sequestro do Voo 375’: a história do atentado que quase mudou o Brasil
Filme resgata um episódio pouco lembrado dos anos 1980: o dia em que um desempregado tentou jogar um Boeing com 135 passageiros no Palácio do Planalto
Em 29 de setembro de 1988, após ser demitido de seu emprego de tratorista e sem perspectiva de futuro em um Brasil engolido pela hiperinflação, o maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição, de 28 anos, tomou uma decisão drástica: resolveu sequestrar um avião e jogá-lo no Palácio do Planalto, em Brasília, para matar o então presidente da República, José Sarney, a quem culpava pela crise econômica terrível em que o país se encontrava pós-ditadura militar. Munido de um revólver calibre 32, ele passou despercebido pela segurança do Aeroporto de Confins, em Minas Gerais, e embarcou em um voo da Vasp, a extinta companhia aérea estatal paulista, com destino ao Rio. Na época, detectores de metais e raio-x ainda não faziam parte dos procedimentos obrigatórios nos aeroportos em voos nacionais. Pouco após a decolagem, quando a tripulação começou a servir lanches aos 135 passageiros, Nonato sacou sua pistola e atirou contra a porta da cabine para informar seu objetivo: mudar a rota para Brasília, na intenção de se vingar das promessas não cumpridas pelo então presidente. A missão suicida foi malsucedida graças à postura corajosa do piloto Fernando Murilo Lima e Silva, que viu seu copiloto, Salvador Evangelista, ser morto pelo sequestrador na sua frente.
O caso real ganhou pouquíssima atenção há 35 anos, mas agora é iluminado com detalhes no filme Sequestro do Voo 375 — que tem entre seus produtores o Star Original Productions, da Disney, e estreia nos cinemas na quinta-feira 7. No longa, fica claro que o perfil do sequestrador Nonato é o de tantos cidadãos brasileiros da chamada “década perdida” — após quatro planos econômicos fracassados do governo Sarney para tentar conter a inflação, o país estava na lona. Vice alçado à Presidência após a morte do popular Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto indireto, Sarney deixou o comando do Brasil em 1990 com um índice inflacionário de 1 764% ao ano. O dinheiro derretia na mão do brasileiro, com valores sendo corrigidos diariamente, e levando à explosão da pobreza.
Apesar do orçamento de 25 milhões de reais, o filme não é lá um primor: os diálogos são coalhados de clichês e as cenas de ação revelam-se duvidosas. Mas a produção tem o mérito de resgatar os meandros de um episódio pouco conhecido da crônica nacional. A história só teve um final feliz porque o piloto Fernando Murilo fez manobras arriscadas com a aeronave até pousar com segurança em Goiânia. Segundo testemunhas presentes no voo e o relato posterior do piloto, ele executou um tonneau, giro de 360 graus no próprio eixo, e depois mergulhou o avião 9 000 metros em direção ao solo, com o objetivo de deixar o sequestrador atordoado. A tática permitiu ganhar tempo e pousar, mas o sequestro prosseguiu em solo até que snipers do Exército balearam e prenderam Nonato. Ele acabou morrendo depois no hospital, de forma misteriosa.
Além de retratar o caso, o filme levanta uma hipótese controversa: os produtores sustentam que informações do sequestro foram encontradas num esconderijo de Osama bin Laden, terrorista responsável pelos atentados de 11 de Setembro de 2001. A história teria vindo de uma fonte que não tem provas documentais e preferiu não se identificar. “É curioso que as normas de segurança só mudaram após o atentado às Torres Gêmeas, mas nós tivemos algo parecido muito antes por aqui”, diz a produtora Joana Henning. As semelhanças entre o plano felizmente não concretizado de Nonato e o horror perpetrado no World Trade Center e no Pentágono realmente são notáveis — mas vale lembrar que a crônica dos sequestros de aviões pelo mundo já continha outros exemplos de planos assim.
A história do Brasil para quem tem pressa
Vertido em herói, Fernando Murilo recebeu uma medalha da FAB por seus feitos, mas foi ignorado pelo presidente. “Sarney nunca ligou para agradecer meu pai, que tinha certa mágoa disso, porque esperava uma atitude mais digna”, lamenta Fernando Lima, filho do piloto, morto em 2020. O longa exclui o político da narrativa, mostrando só os agentes oficiais que atuaram nas negociações. “Queríamos contar esse evento sem nos aprofundar muito no que aconteceu fora dali”, explica o diretor Marcus Baldini. Com atuações esforçadas, principalmente de Jorge Paz, intérprete de Nonato, e de Danilo Grangheia, no papel do piloto, Sequestro do Voo 375 fala de um período caótico em que a redemocratização convivia com a instabilidade monetária. Um cenário explosivo que, por pouco, não produziu uma tragédia nos ares.
Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870
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