‘Planeta dos Macacos: o Reinado’: o que esperar do novo filme da franquia
Longa mantém vivo o mote da saga dos anos 60: falar dos perrengues humanos por meio dos símios — desta vez, com uma metáfora pouco sutil
No rito de passagem para a vida adulta, cada chimpanzé do Clã das Águias deve escalar o mais alto ninho de pássaros de que for capaz e voltar de lá com um ovo intacto. Após uma jornada vertiginosa até o topo de um prédio numa cidade humana abandonada, o destemido adolescente Noa (Owen Teague) e seus amigos Soona (Lydia Peckham) e Anaya (Travis Jeffery) retornam triunfantes à tribo com seus troféus. A vida não poderia ser mais idílica por ali, com os símios vivendo em harmonia e sob os mandamentos do mitológico Caesar — animal que teria ensinado, centenas de anos antes, os macacos a falar. Certa noite, a turma é atacada por rivais bonobos, com saldo pavoroso: centenas de chimpanzés são mortos, descumprindo a regra de ouro criada por Caesar: a de que “macaco não mata macaco”. Consternado, Noa promete a si mesmo salvar sua mãe e os amigos feitos escravos por Proximus, déspota responsável pelo massacre.
Já em cartaz nos cinemas, Planeta dos Macacos — O Reinado, quarto filme da atual encarnação da franquia — iniciada em 2011, e cujos três longas anteriores arrecadaram 1,5 bilhão de dólares —, é um caso raro de saga pop com notável carga de crítica social. Por meio dos símios, seus filmes veiculam metáforas prementes sobre a humanidade. O Reinado fala da ascensão do autoritarismo, tema bastante em voga no mundo atual. “A franquia é um espelho da sociedade e nos permite vê-la de uma perspectiva externa. De certa forma, torna mais fácil examinar onde estamos como espécie”, disse a VEJA o protagonista Owen Teague.
Ao investir nessa mensagem política, O Reinado mantém viva (ainda que de modo pouco sutil) a chama lançada em 1963 pelo livro O Planeta dos Macacos, do francês Pierre Boulle, que conta a história de um grupo de astronautas que chega a um planeta no qual macacos falantes escravizam humanos mudos. Cinco anos depois, o enredo ganhou sua primeira adaptação para o cinema, que se tornou clássica e é sempre lembrada por um dos finais mais impactantes da história, tendo Charlton Heston no papel principal. Nos anos seguintes, foram lançadas ainda outras quatro continuações e uma série de TV.
Planeta dos Macacos renasceu em 2001, quando Tim Burton fez um remake com Mark Wahlberg no papel do astronauta Leo Davidson, vivido no passado por Heston, e Helena Bonham-Carter como Ari, a chimpanzé ativista dos direitos dos humanos. Mas o filme calhou de sair num período de profundas mudanças no cinema, como a revolução do motion capture — técnica que fascinou o mundo no mesmo ano com O Senhor dos Anéis, ao transformar o ator Andy Serkis em Gollum, monstrengo com movimentos e expressões captados por meio de sensores no corpo do ator. A comparação foi inevitável, e os macacos de Burton, feitos com a velha técnica artesanal de maquiagem pesada e fantasias, pareciam coisa de amador. Resultado: fiasco de bilheteria.
No final daquela década, James Cameron elevou o motion capture ao estado de arte com Avatar. De carona em suas inovações, Planeta dos Macacos teve direito a uma nova vida a partir de 2011 — agora, na vanguarda da evolução técnica. A nova safra entregou personagens críveis e superou o visual datado de antigamente. Em O Reinado, o diretor Wes Ball faz um avanço espetacular ao retratar os símios dentro d’água. “Fiquei seis semanas aprendendo a me mover como chimpanzé”, diz Teague. Noa, seu personagem, conhece Mae (Freya Allan), humana que consegue falar — já que nossa espécie teria perdido a capacidade de usar a língua em razão de um vírus. Ela pede ajuda para impedir Proximus de acessar um bunker cheio de armas e, assim, instaurar uma tirania que pode colocar em risco o progresso evolutivo dos primatas — um filme que a gente conhece tão bem.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892
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