Os astros veteranos que conquistaram Trump – e se vingam de Hollywood
Antes vistos com desdém, Sylvester Stallone, Jon Voight e Mel Gibson retornam à cena como 'embaixadores' do presidente

“Entraremos novamente em uma Era de Ouro de Hollywood”, escreveu o presidente Donald Trump em janeiro, ao anunciar que três veteranos conhecidos pela exibição de virilidade nas telas seriam seus embaixadores especiais na indústria do entretenimento: o vencedor do Oscar Jon Voight, de 86 anos, o “garanhão italiano” Sylvester Stallone, 78, e o controverso Mel Gibson, 69. O que a função inédita significava na prática estava longe de ser claro, mas a semiótica não poderia ser mais didática: na “Grande América” idealizada pelo republicano, com seu show de protecionismo e outras medidas regressivas, nada mais condizente que a volta apoteótica dos heróis machões que dominaram o cinema comercial do século XX, antes de cair em ostracismo na era da diversidade e correção política. Quatro meses depois, o plano para restaurar a suposta glória perdida ganha contornos palpáveis. Segundo o agente de Voight, foi graças aos conselhos do ator, numa reunião recente, que o presidente se convenceu a impor uma taxa de 100% sobre qualquer filme feito no exterior que fosse exibido no mercado americano — ideia que Trump ainda não efetivou, mas anunciou nas redes sociais em 4 de maio. Segundo ele, o setor audiovisual dos EUA é ameaçado por incentivos de outros países e sua “morte” iminente pode ser evitada só por escudos fiscais e pelo retorno ao ideário que seus astros eleitos simbolizam.
Em troca, eles ganham relevância revitalizada. Até o chamado de Trump, Stallone era o único dos três a manter uma carreira ainda respeitável: ele recuperou forças após Creed, de 2015, que o colocou de volta no ringue como Rocky Balboa. O sucesso abriu alas para que o herói da ação revisitasse também o guerreiro Rambo, em 2019. Em 2022, passou a estrelar a série Tulsa King, roteirizada por Taylor Sheridan, criador de outro programa amado por conservadores, Yellowstone. Nela, Stallone vive um mafioso italiano reapresentado à sociedade após 25 anos na cadeia e deve não só reconstituir sua dinastia do crime como também enfrentar as novidades do mundo contemporâneo. O sucesso já rendeu três temporadas e foi crucial para o ator se aproximar da direita americana. Ciente de quão rico é o filão, ele tem cinco projetos de ação previstos para o futuro — em um deles, vive uma apropriada distopia na qual a China coloniza os Estados Unidos.

Trump resgatou seus outros dois embaixadores em Hollywood praticamente do limbo. Conhecido por ser um ator irascível no set e rejeitado pela elite liberal do cinema pela estampa de reaça de longa data, Voight hoje é mais famoso por ser pai de Angelina Jolie. Na falta de projetos de peso, gasta seu tempo publicando vídeos no Instagram, sempre com a bandeira dos Estados Unidos ao fundo — e nos quais faz comentários políticos antes pouco levados a sério, mas hoje decisivos para o país. Seu engajamento ferrenho na campanha de Trump ajudou-o a ganhar de vez a confiança do presidente. Já Mel Gibson, após horrorizar a nata hollywoodiana com escândalos por causa da bebida e pelas opiniões conservadoras temperadas até com antissemitismo, relegou seu trabalho como ator a lançamentos com pouco alcance e péssima recepção crítica. Agora, curiosamente, sua conduta antes condenável passou a ser um cartão de visitas para os eleitores trumpistas. Reanimado, Gibson dirigirá duas sequências para A Paixão de Cristo (2004) ainda em 2025. Ironicamente, não será patriota a ponto de filmar em solo americano: os filmes serão rodados nos estúdios Cinecittà, em Roma.
Os astros veteranos endossam as ideias autoritárias de Trump — mas há, felizmente, nuances. Por trás da lealdade ao presidente, o trio tem mostrado certo papel conciliatório. Em 11 de maio, Voight e Stallone assinaram uma carta aberta junto dos principais sindicatos e estúdios de Hollywood, na qual pedem por incentivos fiscais que facilitem filmagens em Los Angeles, sem nenhuma menção às tarifas. Gibson colabora com o produtor italiano Andrea Iervolino para propor um tratado de coprodução entre os países que incentive cineastas do país europeu a filmar na terra do Tio Sam com equipes locais — intercâmbio que vai de encontro à xenofobia rígida defendida por Trump.

Um dos segredos para o sucesso atualmente, afinal, é a globalização, que traz economia nos custos com locações e amplia o público. Enquanto apenas um dos cinco principais estúdios de Hollywood, a Disney, teve aumento de receitas no primeiro trimestre de 2025, a plataforma que simboliza o entretenimento global, a Netflix, teve um salto de 12,5% graças ao aumento de preços pelo mundo e assinantes atraídos pelo escopo multicultural do catálogo, em que séries sul-coreanas coexistem com sucessos do Reino Unido como Bebê Rena e Adolescência. Na atual conjuntura, de qualquer forma, poucos são os astros que ousam bater de frente com o presidente. Tom Cruise, ator “isentão” em que muitos enxergam um trumpista enrustido, se esquivou recentemente de uma pergunta sobre tarifas enquanto promovia o novo Missão: Impossível — a fim de não comprometer a si mesmo ou ao filme, claro. Enquanto Hollywood aguarda em suspense os próximos arroubos de Trump, os astros veteranos posam de indomáveis.
Publicado em VEJA de 16 de maio de 2025, edição nº 2944