O filme peculiar de diretora sul-africana sobre missionários na Amazônia
Exibido no Festival do Rio, ‘Transamazônia’ acompanha a relação entre indígenas, madeireiros ilegais e uma garota curandeira
A cineasta sul-africana Pia Marais se impressionou com a história real da jovem alemã Juliane Koepcke que, em 1971, foi a única sobrevivente de uma queda de avião na floresta amazônica peruana. A adolescente, então com 17 anos de idade, perambulou por doze dias na mata até ser encontrada por moradores da região. O caso virou livro e também um documentário de Werner Herzog. Pia não conseguiu os direitos para adaptar a história no cinema, mas um produtor alemão envolvido com o projeto lhe sugeriu que ela viajasse para a Amazônia e se inspirasse para uma trama original. “Passamos cinco semanas conhecendo reservas indígenas, explorando cidades e a mata, e vendo frente a frente o desmatamento de muitos terrenos. Tudo foi muito impactante para mim”, disse ela a VEJA durante o Festival do Rio, que exibe o filme que resultou dessa pesquisa, o peculiar e imersivo Transamazônia.
Uma coprodução entre França, Alemanha, Suíça, Taiwan e Brasil, o filme, falado em português e inglês, segue a história de Rebecca (interpretada pela alemã Helena Zengel), filha de um missionário (vivido pelo americano Jeremy Xido). Quando criança, a garota sobreviveu a um acidente de avião na floresta e, anos depois, se estabeleceu com o pai em uma reserva indígena, onde ela tem a fama de curandeira. O clima fica tenso quando madeireiros ilegais invadem as terras e atacam os indígenas que vivem ali.
O longa foi filmado principalmente no território indígena de Asurini do Xingu. Outra parte do filme foi feita na Guiana Francesa, num trecho da floresta liberado pelo estado para o corte de árvores. As duas tramas, religiosa e ambiental, correm de forma conectada, resultando ora em um thriller, ora em um drama quase sobrenatural. Para além do impacto de ver uma floresta tropical pela primeira vez – e o choque de presenciar sua devastação –, Pia também se chocou com a presença de muitos missionários estrangeiros. “Conversamos com americanos, alemães, suíços, pessoas que vivem no Brasil, alguns com interesses pessoais, já que são tratados com um cuidado pelos seguidores e com uma condição financeira que eles não possuem em seus países de origem.”
Para a diretora, mesmo sendo uma trama deveras local, ela ecoa com dilemas mundiais. “Onde existem pessoas e recursos a serem explorados, sempre existirão aqueles que usarão de ferramentas, como a religião e o dinheiro, para lucrar em benefício próprio.” O filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.