O filme baiano que conquistou a Netflix — e promete cativar o público
Filme 'Saudade Fez Morada Aqui Dentro' chega aos cinemas após ganhar prêmio da plataforma na Mostra de SP
Bruno é um garoto de 15 anos com um diagnóstico assustador: ele vai ficar cego e não há o que fazer. O processo de perder a visão e, aos poucos, ganhar novos meios de enxergar o mundo conduz o sensível Saudade Fez Morada Aqui Dentro, filme do diretor baiano Haroldo Borges, que é parte do coletivo Plano 3 Filmes. A produtora criada por quatro colegas de faculdade em Salvador começou produzindo documentários até chegar à ficção, em filmes feitos com uma pegada artesanal e, até agora, pelo ponto de vista de jovens desbravando o mundo. Eleito vencedor do primeiro Prêmio Netflix da Mostra de SP do ano passado, Saudade chega nesta quinta-feira, 19, aos cinemas e, no futuro, entrará no catálogo mundial da plataforma. A VEJA, Haroldo Borges fala sobre o processo de tirar o filme ambientado no sertão da Bahia do papel.
Por que o título Saudade Fez Morada Aqui Dentro? Pois é, é um título comprido e fora do Brasil a gente está chamando o filme só de Saudade. Tem uma razão literal, que é a saudade mesmo do garoto pelo o que ele enxergou antes de ficar cego. Ele vive 15 anos com a visão, então ele guardou dentro de si o que viu. O título é também uma metáfora sobre renovar o olhar enquanto você convive com a saudade. A saudade não é algo ruim, é um sentimento que aquece o coração.
Como tem sido essa recepção internacional de um filme de trama e ambientação tão locais? Tem sido muito recompensador e surpreendente. O filme estreou no festival de Mar del Plata, na Argentina, e ganhou o prêmio principal. E o fato de ser um filme protagonizado por adolescentes deixa a ideia de que é um longa juvenil, mas não é, e ele vem atraindo um público adulto que se emociona muito com a trama. Em Amsterdã, o retorno que tivemos foi que o filme cativa pela simplicidade da vida daquelas pessoas que são felizes com pouco. Tem uma cena linda, quando ele fica cego, que a mãe faz cafuné e o lembra de tudo o que ele já viu, coisas tão simples e belas. Esses detalhes marcam.
Como nasceu essa história? Ele vem de um documentário que fizemos há mais de uma década para uma TV local de Salvador, chamado Boi Bandido, sobre um garoto perdendo a visão. Essa história ficou dentro da gente e voltou à tona com a ascensão do bolsonarismo.
Como assim? Foi muito assustador ver o crescimento do Jair Bolsonaro e amigos e familiares que, de repente, torciam para um governo fascista. Creio que vivemos uma epidemia de cegueira política. Então, essa história também funciona como um reflexo da desesperança que é entrar na escuridão, mas fazemos isso apontando para a luz, com um caminho para a mudança.
O filme traz atores estreantes trabalhando de forma muito natural. Como foi chegar a esse resultado? Foi um processo maravilhoso. Vimos 1.300 meninos e meninas de escolas públicas, todas do sertão baiano, da zona rural. A gente visitou essas escolas, bateu papo com os jovens e fizemos oficinas. Nesse processo escolhemos os três protagonistas (Bruno Jefferson, Ângela Maria e Ronnaldy Gomes), que não tinham nenhuma experiência com atuação. Os três moravam perto de onde filmamos, num vilarejo do sertão da Bahia chamado Poço de Fora. A espontaneidade do elenco conseguimos usando as estratégias de fazer um documentário, que é usar o mínimo de equipamentos, luzes. Usamos luz natural. E não tínhamos um roteiro a ser decorado. Eu contava a história das cenas oralmente e deixava que eles experimentassem a imersão nos personagens.
Quais são os próximos projetos da Plano 3 Filmes? Estamos fazendo um longa-metragem em Salvador. É a história de uma menina que sai do interior da Bahia e vem estudar teatro na UFBA. O filme acompanha o universo dos estudantes em começo de carreira e como é a vida de artistas no Brasil de hoje, especialmente num período em que políticos alinhados com o fascismo tentam criminalizar a cultura. Fazer arte no país é um desafio que envolve esse empecilho, além da falta de valorização e do apoio da família. Não faltam talentos no país, falta é apoio.
Mas vai ter um final feliz? Com certeza! Queremos fazer filmes solares, otimistas. O cinema tem que ter esse pé na esperança. É o superpoder do cineasta, poder olhar para algo do cotidiano e arrancar dali algo que seja emocionante, divertido e esperançoso, para que novas pontes sejam criadas.