O curioso movimento de mexicanos contra o filme ‘Emília Perez’
Além de ser rival de 'Ainda Estou Aqui' nas premiações, o filme francês é acusado de ser pouco autêntico e desrespeitar o contexto do México

Não só muitos brasileiros torcem contra o sucesso do musical francês Emilia Pérez nas maiores premiações de Hollywood. Principal rival de Ainda Estou Aqui nas categorias reservadas a filmes estrangeiros nas premiações, o longa também tem outro inimigo latino-americano: o povo mexicano. Desde que o filme dirigido por Jacques Audiard conquistou quatro Globos de Ouro na noite de domingo, 5 de janeiro, o coro que repudia o longa-metragem se intensificou, como mostra um texto compartilhado nas redes sociais: “Este é um recado para a Academia do Oscar: o México odeia Emilia Pérez, uma piada racista e eurocêntrica. Quase 500.ooo mortos [pelo narcotráfico] e a França decide fazer um musical sem mexicanos no elenco ou equipe” — na realidade, o filme conta com a presença de uma única atriz mexicana, Adriana Paz. A estreia no México está marcada para 23 de janeiro e, no Brasil, em 6 de fevereiro, mas o longa já foi visto por muitos via sessões em festivais e canais de pirataria.
A polêmica parte da temática e execução do filme. Dirigido e escrito por Audiard com base no romance Écoute, de Boriz Razon, ele se passa no México, onde uma traficante de drogas transgênero opta por utilizar a cirurgia de redesignação sexual como modo de abandonar o crime e adotar uma nova identidade. Para isso, ela conta com ajuda da advogada Rita (Zoe Saldaña) e tem que resolver seu relacionamento com a esposa Jessi (Selena Gomez). Toda a jornada é musicada em espanhol e inglês — duas línguas que o cineasta não fala — e tem chamado atenção desde o Festival de Cannes de 2024, onde estreou e recebeu dois prêmios do júri. Ao passo que tem chegado a mais públicos, contudo, mais espectadores têm o criticado por supostamente enxergar o país latino-americano com exotismo e pouca autenticidade, acusações que o diretor não rebate.
Declarações polarizantes
Questionado sobre estudar a cultura mexicana, Audiard afirmou não ter se dedicado à pesquisa porque “já entendia o necessário”. A diretora de elenco Carla Hool, por sua vez, afirmou que as três personagens principais foram pensadas para atrizes mexicanas, mas que após “uma grande busca no México, nos Estados Unidos, na Espanha e na América Latina”, concluiu que as melhores profissionais não eram nativas do país central à trama, o que muitos encararam como desrespeitoso às artistas do país. A protagonista Karla Sofía Gascón é espanhola, enquanto Saldaña e Gomez nasceram nos Estados Unidos — a primeira até cresceu na República Dominicana, já a última, em especial, tem sido alvo de duras críticas por não ser fluente em espanhol. Para remediar a falta de domínio, sua personagem foi alterada para uma imigrante americana e a atriz disse ter feito o melhor que pôde com o tempo que teve.
O diretor de fotografia mexicano Rodrigo Prieto também criticou o filme. Segundo ele, “o longa parece completamente inautêntico, não só em seu enredo, mas em como ignora a cultura e o contexto do país”. O ator e roteirista mexicano Eugenio Derbez, por sua vez, expressou ter ficado incrédulo com o espanhol de Gomez. Na rede social X, antigo Twitter, múltiplas postagens acumulam milhares de curtidas e compartilhamentos com denúncias à suposta xenofobia da produção. No Instagram, uma postagem da página mexicana SensaCine Latam é inundada por comentários negativos. Em um deles, o ator Edgar Spural se queixa da “hegemonia branca” na França: “Durante meus estudos de cinema na Sorbonne, meu trabalho de ficção sobre cultura chicana e queer sempre foi julgado, mas se um francês se apropria da cultura chicana de forma superficial e ignorante, é celebrado”.
Chances no Oscar
A enxurrada de críticas busca enfraquecer a campanha do filme, que até o momento é o favorito para a categoria internacional do Oscar, além de outras disputas como atriz coadjuvante (Zoe Saldaña) e canção original. As indicações serão divulgadas em 17 de janeiro e a cerimônia ocorre em 2 de março.
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