Nicolas Cage aprende o valor de rir de si mesmo em ‘O Peso do Talento’
Endividado e ironizado em memes, ele prova que é, acreditem, um ótimo ator
Aborrecido, Nicolas Cage dirige o carro após um almoço vergonhoso com um cineasta: sem conseguir manter a pose, o ator implorou pelo papel em um filme que o ajudaria a dar a volta por cima. Outrora cobiçado, Cage vem acumulando dívidas e atuações medianas. Ele, então, tem uma conversa séria consigo. Ou melhor, com uma figura curiosa no banco do passageiro: trata-se do próprio Cage, aos 20 e poucos anos, enérgico, com jaqueta de couro e cabelo loiro, numa mistura do garanhão de Coração Selvagem (1990) e do mestre do volante de 60 Segundos (2000), personagens do auge da carreira. Ao minimizar a importância de ter perdido um papel, sua versão egoica imaginária berra: “Você não é um ator: você é um astro do cinema!”.
Nicolas Cage: Hollywood’s Stranger Than Fiction, Walking, Talking Meme
Interpretando a si mesmo — e em dose dupla —, Cage se esbalda no afiado humor autodepreciativo de O Peso do Talento, em cartaz nos cinemas. Na trama, o ator, hoje aos 58 anos, reflete e ironiza sua realidade fora das telas. Falido e escanteado pelos estúdios, ele topa ser uma presença vip no aniversário de Javi, um ricaço espanhol (Pedro Pascal), que lhe oferece 1 milhão de dólares pela aparição. A viagem vexatória é rapidamente vertida em um thriller cômico. Javi está sob a mira de agentes da CIA por seu envolvimento com um cartel de armas — e o ator é recrutado pelas autoridades para espionar o anfitrião. O problema é que o astro hollywoodiano se apega a Javi, com quem compartilha um gosto peculiar (e narcisista): ambos são fiéis admiradores de Nicolas Cage.
Age of Cage: Four Decades of Hollywood Through One Singular Career
Rir de si é um desafio a que egos inflados de Hollywood têm se entregado no afã de reinventar sua imagem. Recentemente, o belga Jean-Claude Van Damme fez isso na série que leva, parcialmente, seu nome. Em Jean-Claude Van Johnson, do Amazon Prime Video, o fortão está aposentado e em crise. Para além de um exercício de humildade, esses roteiros ajudam a espantar a urucubaca que paira sobre as estrelas em decadência. Cage aproveitou ao máximo a oportunidade: de astro excêntrico a piada nas redes sociais, ele agora vem provar que é, doa a quem doer, um ótimo ator.
O percurso de ascensão, queda e redenção do artista na vida profissional é intrinsecamente ligado aos altos e baixos de sua vida pessoal. Batizado Nicolas Kim Coppola, sobrenome escondido para não ficar sob a sombra do tio famoso, Francis Ford Coppola, Cage explodiu nos anos 1990 com filmes que aliavam popularidade e prestígio. Levou o Oscar por Despedida em Las Vegas (1995) e arrebanhou espectadores com títulos de ação como Con Air: Rota de Fuga. Arriscou-se no papo cabeça com Adaptação, drama metalinguístico do cineasta Charlie Kaufman sobre dois irmãos roteiristas, ambos vividos por Cage. Enquanto isso, sua vida pessoal movimentada fez a alegria dos tabloides: o ator se casou cinco vezes, e entre as esposas estavam a filha de Elvis Presley, Lisa Marie, e Patricia Arquette, a quem ele pediu em casamento no mesmo dia em que se conheceram. Perdulário, Cage ganhou e gastou 150 milhões de dólares em dez anos, torrando grana em itens como um crânio de dinossauro e um castelo na Europa. Logo se enrolou com o fisco, sendo obrigado a trabalhar em filmes medíocres para pagar as contas. O que parecia ruim ficou pior na era das redes sociais. Sua excentricidade registrada em vídeos no passado foi recuperada com lupa jocosa pela internet: Cage virou uma piada ambulante. No Brasil, ele ganhou um meme originalmente nacional, o “Nicolas Cagezinho”, que satirizava pessoas de autoestima elevada e sem noção.
O caminho da recuperação foi delineado nos últimos anos, com pérolas como o terror Mandy (2018) e o drama Pig (2021), no qual faz um ermitão em crise após ter seu porco de estimação sequestrado. A volta por cima é selada por O Peso do Talento. O roteiro assinado pelo diretor Tom Gormican chegou às mãos de Cage em 2019. Ao considerar a participação numa sátira sobre si mesmo, ele titubeou. Mas, curiosamente, o que acabou prevalecendo foi a chance de lembrar o público de suas habilidades cômicas. A melhor saída para um astro caído, prova Cage, é rir para não chorar.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789
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