Extermínio: A Evolução e mais: a saga de filmar um blockbuster com celular
Novo longa da bem-sucedida saga de terror eleva ao apogeu técnico e orçamentário a tendência curiosa

O ano de 2002 foi eternizado nos 480 pixels de vídeos caseiros. Naquela época, despontavam as câmeras digitais e, logo, as mentes mórbidas do cineasta Danny Boyle e do roteirista Alex Garland perceberam que, se um vírus devastador provocasse o apocalipse naquele instante, seria com aquela textura e definição limitada que ele seria capturado. Assim nasceu Extermínio, horror de sobrevivência filmado em uma Canon XL1, equipamento doméstico então comercializado a 4 000 dólares. Graças às imagens difusas, com um quê expressionista, a trama recebeu elogios, arrecadou dez vezes o próprio orçamento e originou uma saga que, 23 anos depois, ganha um terceiro capítulo nas mãos da mesma dupla criativa. Agora, Boyle e Garland estão cientes de que, se o fim do mundo fosse hoje, seria captado pelos smartphones: Extermínio: a Evolução, já em cartaz no país, impressiona com a devastação capturada por vinte iPhones 15 Pro Max.
O novo filme leva ao apogeu técnico e orçamentário uma tendência que já vinha se delineando nas telas. Nos últimos anos, o coreano Park Chan-wook rodou Pesca Noturna (2011) em um iPhone 4, Steven Soderbergh teceu o suspense claustrofóbico Distúrbio (2018) com um iPhone 7 e Luc Besson utilizou o aparelho da Apple para driblar as limitações da pandemia e gravar o recém-lançado June e John. Até hoje, o exemplo mais fortuito é Tangerina (2015), de Sean Baker, feito em iPhone 5S com adaptador anamórfico. O enredo sobre uma profissional do sexo em busca de revanche ganha camada de realidade acentuada pelo uso de atores sem experiência prévia, qualidade que o aproxima do cinema verité, estilo francês que filma momentos reais sem interferência da câmera. Hoje, um dos três celulares utilizados na produção — com tela rachada — repousa no Museu da Academia do Oscar, em Los Angeles, ao lado de máquinas históricas. Além dessas produções de destaque, festivais emergentes ao redor do globo já são dedicados inteiramente a filmes de celular.

O que é inédito é o uso de iPhones para uma megaprodução com orçamento de 75 milhões de dólares. Assim como utilizaram a Canon XL1 para filmar quadros encenados em Extermínio, Boyle e o diretor de fotografia Anthony Dod Mantle aderiram a drones, adaptadores de lente, gruas e equipamentos capazes de segurar oito, dez ou vinte celulares ao mesmo tempo, a fim de capturar momentos em 180 graus e aumentar o arcabouço de planos para a montagem final. O resultado em nada se assemelha ao que um proprietário comum do aparelho grava no dia a dia — ele se materializa na forma de imagens viscerais que agravam os horrores testemunhados pelo menino Spike (Alfie Williams), que desbrava a costa inglesa cheia de zumbis para encontrar tratamento médico para a mãe enferma, Isla (Jodie Comer).
Apesar das aparências, nada disso é fruto de marketing. Filmagens em celulares despontaram em 2011 com o drama Olive, capturado em um Nokia N8 — só mais tarde os aparelhos da Apple tomaram a liderança nesse mercado. A saga Extermínio não tem patrocínio da empresa. Por outro lado, a big tech notou o potencial e passou a financiar clipes filmados com celular por nomes como Selena Gomez, Lady Gaga, Olivia Rodrigo e The Weeknd. Agora, a Apple mira os curtas-metragens: o japonês Hirokazu Kore-eda lançou Last Scene em maio nas redes da companhia. Eis um raro casamento feliz entre expansão criativa e interesse comercial.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949