Erotismo e ócio: atriz conta bastidores do filme ‘Motel Destino’
Nataly Rocha protagoniza o longa nacional exibido em Cannes e que estreia no Brasil nesta quinta-feira, 22 de agosto
Único filme brasileiro a competir pela Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2024, Motel Destino foi também o primeiro longa cearense a chegar à mostra de cinema mais cobiçada do mundo e enfim estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 22. Para o diretor Karim Aïnouz, natural do estado, o evento já era familiar. Um ano antes, afinal, também havia competido lá com Firebrand, drama histórico gravado em língua inglesa estrelado por figuras Hollywoodianas feito Jude Law e Alicia Vikander — mas a satisfação era diferente. Desta vez, trazia ao tapete vermelho uma produção brasileira, feita com apoio de estudantes cearenses e protagonizada por dois atores pouco conhecidos de lá: Iago Xavier, de 24 anos, e Nataly Rocha, de 38, a quem cabe interpretar mulher que é centro de um violento triângulo amoroso, âncora emocional do enredo.
Também preparadora de elenco, Nataly conseguiu o papel altamente concorrido após testes que avaliaram centenas de atrizes. No filme, interpreta Dayana, mulher presa em um relacionamento abusivo com um dono de motel, cuja vida é revitalizada quando o criminoso Heraldo (Xavier) bate a sua porta em busca de asilo, fugindo de bandidos para os quais deve muito dinheiro. Separados pela idade e por diferentes experiências traumáticas, os dois sentem primeiro uma mera atração sexual e, então, mergulham na paixão ilícita que abastece a tensão da narrativa. Em entrevista a VEJA, a atriz detalha o processo de construção da personagem, a química com o parceiro de cena e os ensinamentos do diretor, que agora se prepara para dirigir mais uma produção em Hollywood com Kristen Stewart, além de prometer completar uma trilogia situada no Ceará.
Muito do tom erótico e do suspense do filme vem da relação de sua personagem com o Heraldo, vivido pelo Iago Xavier. Como foi construir essa relação? Fizemos o teste separados, depois juntos, e a partir daí já se apontou esse jogo entre atores. Não adianta um par funcionar bem separadamente, mas não ter química. Durante os ensaios, tivemos uma convivência mais intensa, como não saíamos de Beberibe (CE) nem para voltar para casa nas folgas. Ficamos muito próximos também no ócio, entendendo coisas que vão além dos personagens. O importante é se ver tanto como artista quanto como pessoa.
Como se sentiu estreando o primeiro longa que protagoniza na competição do Festival de Cannes? Foi bem legal me sentir dentro do festival — e o que aconteceu ali foi também uma celebração do incentivo à formação no audiovisual dentro do Ceará. Na equipe, tivemos apoio de vários estudantes da Escola Porto Iracema das Artes, que existe há dez anos e tem mudado muito o cenário do cinema nacional. Neste mês, sete filmes cearenses entraram ou permaneceram em cartaz pelo país e, neste ano, também comemoramos os 100 anos do cinema cearense. Não acho que a vitória seja só nossa, mas da visibilidade de todo artista brasileiro.
Nota alguma diferença entre respostas do público estrangeiro e do nacional? Achei aqui mais caloroso. Certamente, a compreensão da língua facilita o entendimento, mas vejo os europeus como um povo mais culturalmente comedido. Com todos os críticos e aquela pompa de Cannes, a dinâmica era bem mais formal.
Dayana é uma personagem muito crua tanto emocionalmente quanto fisicamente. Participar de uma narrativa provocativa como essa foi intimidador? Na verdade, queria que ela não fosse uma personagem óbvia, que sofre uma violência e só responde a ela. Na minha concepção, a tornei mais ativa e sempre relacionei suas ações aos seus desejos. Tentei encontrar respiros em cena que permitissem que ela fosse mais solar, irônica e dona de uma resiliência diferenciada, com outras camadas. Trouxe também um pouco de humor. Foi difícil, já que as situações são muito duras, mas me dei a missão de fugir do óbvio. Às vezes, fico cansada de um feminismo didático, então pulei à frente disso e abracei a ironia. A personagem nem sempre entende a violência que sofre e naturaliza algumas coisas, mas é responsiva, sim, em alguns momentos e se silencia por medo em outros. São camadas que tentei criar cena por cena, sutilezas que não estão no roteiro. Cabe à atriz encontrá-las.
Karim Aïnouz talvez seja o diretor brasileiro mais produtivo e eclético em atividade. O quão diferente foi a experiência de trabalhar sob sua liderança? Amei trabalhar com o Karim. Ele é muito amoroso e respeita muito o trabalho do elenco. É um excelente ouvinte e consegue manter em nós um frescor. Pedia espontaneamente, por exemplo, para que eu fizesse coisas em cena sem avisar os outros atores, que então tinham que reagir dentro de seus personagens. Certos dias, ele pedia para que fizéssemos as cenas em total silêncio. É um trabalho muito sofisticado que, para mim, foi um grande aprendizado. O resultado que ele obtém é fluido e dá para ele liberdade na montagem.
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