Entenda ‘Beau tem Medo’, o complexo novo filme de Ari Aster
VEJA explica a partir de falas do diretor o que cada parte do longa com Joaquim Phoenix significa – alerta: este texto tem spoiler

O título do filme Beau Tem Medo soa estranho, mas é autoexplicativo: o personagem Beau, interpretado por Joaquin Phoenix, vive entre assombrações reais e imaginárias. No longa do diretor Ari Aster, o mesmo de Hereditário e Mindsomar, acompanha a história de um homem de meia-idade que precisa visitar a mãe, mas encontra diversos percalços violentos no caminho. Complexo e repleto de referências, o filme demanda uma análise minuciosa após o subir dos créditos. A seguir, uma explicação de momentos mais importantes do longa a partir de falas do cineasta. Vale alertar novamente: este texto tem spoilers.
Entre Freud e a culpa judaica

De forma muito resumida, o filme de Ari Aster reflete os dilemas freudianos entre uma mãe e o filho, e a chamada: culpa judaica. Trata-se de uma cultura de autoculpa, na qual tudo que acontece ao redor da pessoa, de alguma forma, faz dela culpada pelo ocorrido. Aster é judeu e, apesar do sucesso, já afirmou que, vira e mexe, é acometido pela ideia de que tudo pode dar errado – e se der, a culpa será só dele. Essa é a visão de mundo de Beau – que fica ainda mais explícita na absurda sequência de um julgamento no fim do filme.
Onde a história se passa?

O bairro onde Beu mora não perde em nada para as tramas de apocalipse nas quais o terror reina. Nenhuma cidade do filme, porém, é real. Toda a ambientação mistura o mundo, por assim dizer, terreno e a mente do personagem, numa narrativa imersiva em seus medos. Segundo o diretor, quando ele começou a escrever o filme, a história se passava num bairro à la Skid Row, uma área perigosa e de alta vulnerabilidade no centro de Los Angeles, que concentra pessoas sem teto e viciados em drogas.
Remédio perigoso

Logo no início do filme, o terapeuta de Beau lhe prescreve um remédio fictício chamado Zypnotycril – que pode ser letal se não for consumido com água. Aster afirmou em entrevista que possui pavor de medicamentos, um resquício de uma época na qual ele tomou antibióticos e teve um ataque de pânico como efeito colateral. O diretor não é um ativista contra a indústria farmacêutica, mas é crítico do modo como a sociedade se tornou dependente de remédios.
Cabeças rolaram

A mãe de Beau (interpretada por Zoe Lister-Jones e também por Patti LuPone) morre (teoricamente) decapitada por um lustre que cai em sua cabeça. Essa não é a primeira vez que o cineasta corta a cabeça de um de seus personagens. A cena mais icônica de Hereditário mostra uma garota que tem a cabeça decepada em um acidente de trânsito. Em Mindsomar, uma pessoa idosa se joga de um penhasco, mas não morre – isso até alguém da comunidade surgir para esmagar seu crânio. “Eu sempre gostei de coisas macabras. Há muitas imagens que me traumatizaram no passado e hoje as reproduzo”, disse ele após afirmar que cresceu vendo filmes grotescos de terror.
Beau foi de fato sequestrado?

Sim… e não. Em determinado ponto, Beau é cuidado por um estranho casal vivido por Nathan Lane e Amy Ryan, que perdeu o filho na guerra — e não deixa Beau ir embora. Nessa sequência, Aster se inspira no cineasta austríaco Michael Haneke, mestre em transformar a calmaria de um bairro de classe média alta em pura opressão: trata-se de um aceno à ideia de que nenhuma família é normal, até as que fingem ser.
A sequência do teatro na floresta

Beau é assombrado pela narrativa da mãe de que ele, ao ser concebido, foi a causa da morte do pai. Isso o impede de ter uma vida sexual saudável, achando que o mesmo vai ocorrer com ele. Na floresta, diante de um teatro no qual ele se vê participante, Beau delira e imagina uma vida normal, na qual tem filhos e cria uma família. Mas sua paranoia é predominante até numa fantasia feliz: eventualmente, ele perde tudo em uma tragédia. O trecho foi animado pelos chilenos Cristobal Leon e Joaquin Cosiña e mostra que não importa para onde Beau fuja, seus medos sempre o alcançam.
Sexo ouvindo Mariah Carey
O que parecia estranho fica hilário na cena em que Beau perde a virgindade, na vida adulta, com um amor de infância. Antes de iniciar o ato, a mulher coloca a canção Always Be My Baby, de Mariah Carey, no celular. Aster diz que gravou toda a cena antes mesmo de ter o direito de usar a música no filme. “Eu até tentei achar alguma mais barata para usar, mas só essa me fazia rir.” Mariah liberou o uso da música que, além de ter um tom cômico para o momento, é também uma ligação do estranho laço de Beau com a mãe, que o considera um bebê – fato que o assombra quando tem uma relação sexual.