‘Elementos’: os bastidores da animação que resgata força da Pixar
Estúdio exercita a salutar audácia de transformar conceitos abstratos em personagens palpáveis que arrebatam o espectador
Ao cruzar os portões da sede da Pixar em Emeryville, localidade a um passo de São Francisco e na vizinhança do Vale do Silício, o visitante depara com símbolos clássicos do estúdio, como a luminária que amassa a letra “I” na abertura de seus filmes, ou esculturas de personagens marcantes como Mike e Sulley, de Monstros S.A. Por trás da atmosfera colorida, logo se percebe que o espírito é o mesmo que rege boa parte do ramo da alta tecnologia ali por perto: o ambiente de uma indústria criativa, afinal, é pensado para que os funcionários dos mais diversos departamentos se encontrem e troquem ideias nas salas e corredores. Chama atenção, acima de tudo, a diversidade: na meca da animação, profissionais da Ásia, Europa ou América do Sul convivem diariamente. E o efeito disso é visível nas produções recentes da Pixar, como Red: Crescer é uma Fera, sobre uma menina sino-canadense, e Viva — A Vida é uma Festa, com foco na cultura mexicana.
O mais novo exemplar dessa tendência é Elementos (Elemental, Estados Unidos, 2023), filme do cineasta Peter Sohn — animador envolvido nos principais projetos da Pixar desde 1999 — que chega aos cinemas brasileiros na quinta-feira 22, com uma história que se vale dos quatro elementos da natureza (terra, água, ar e fogo) como metáfora tocante sobre a vida dos imigrantes de diferentes origens nos Estados Unidos.
Em parte por culpa da pandemia, a Pixar teve alguns longas de desempenho mediano nos cinemas e no streaming nos últimos três anos — caso do esquecível Lightyear (2022), derivado de Toy Story que não fazia jus ao primeiro arrasa-quarteirão do estúdio, lançado em 1995. Agora, o inventivo Elementos vem comprovar o desejo da Pixar — fundada em 1986 pelo visionário Steve Jobs — de voltar às suas raízes como usina da inovação. Com orçamento de 200 milhões de dólares, o filme segue os ensinamentos de produções que se converteram em fenômenos ancoradas em roteiros originais e surpreendentes — a exemplo de Ratatouille (2007), capaz de transformar um ratinho em chef de cozinha parisiense, e Divertida Mente (2015), que ousou ao falar às crianças até de sentimentos difíceis como a tristeza. Em Elementos, a Pixar exercita a salutar audácia de transformar conceitos abstratos em personagens palpáveis que arrebatam o espectador. Seu fio condutor é o amor impossível entre duas figuras opostas que, claro, se atraem: Faísca, uma jovem temperamental feita de fogo, e Gota, galã sensível composto de água.
Filha de um comerciante que precisou deixar a Ilha do Fogo em busca de oportunidades numa cidade futurista (e surreal) chamada Elemento, Faísca sonha em herdar a loja familiar que vende suprimentos para habitantes locais feitos de fogo, como ela própria. Para isso, porém, a mocinha precisará conter seus rasgos incendiários. Seguindo à risca a orientação do pai — avesso a criaturas de água, ar e terra —, ela não se mistura com ninguém. Até cruzar com Gota, um inspetor sanitário que, por questões de segurança, precisa fechar o comércio construído com suor pela família de Faísca.
Museu Pixar: Histórias e arte do estúdio de animação
Por baixo da trama singela há notáveis acenos aos imigrantes asiáticos nos Estados Unidos: fala-se do peso da responsabilidade em tocar os negócios em família e da pressão para os jovens se relacionarem apenas com semelhantes — questões tão caras à cultura oriental. A trama é diretamente inspirada pela vida do diretor Peter Sohn, cujos pais se mudaram da Coreia do Sul para os Estados Unidos na década de 1970, e por seu casamento com uma americana — para desgosto da avó asiática conservadora. “Temos tantos talentos diversos, e hoje há mais oportunidade para contar histórias assim”, disse Sohn a VEJA (leia mais abaixo). Prova da abertura a novas vozes é a presença da brasileira Priscila Vertamatti no time. “Vim sozinha para os Estados Unidos aos 18 anos para estudar ilustração. Foi difícil no começo, mas consegui um estágio na Disney, e depois conquistei um espacinho aqui”, conta a paulista — que desenvolveu Turrão, gracioso personagem de terra de Elementos.
O maior trunfo do filme, no fundo, é resgatar um fundamento definidor da Pixar: as tramas que valorizam os sacrifícios familiares e celebram a busca pela identidade. Foram sete anos para desenvolver a produção, e o resultado impressiona: a fluidez dos movimentos dos personagens de água e fogo é um deslumbre. Desde que revolucionou a animação, nos anos 1990, passando pela crise existencial após ser comprada pela Disney, em 2006, a Pixar sempre recuperou o prumo quando não teve pudor em inovar. E esse elemento tão essencial existe de sobra nessa nova produção.
Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.