Acostumado a papéis que vão do rústico ao sensível, Eduardo Moscovis estrela o drama Ela e Eu, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 21. Na trama, o ator interpreta Carlos, um marceneiro que cuida da esposa Bia (Andrea Beltrão), que entrou em coma há 20 anos durante o parto da filha deles, Carol (Lara Tremouroux). Atualmente casado com Renata (Mariana Lima) e dando assistência a Bia em home care, o homem precisa refazer a dinâmica familiar quando ela simplesmente acorda, do nada.
Em entrevista a VEJA, Eduardo Moscovis explica que as motivações por trás do personagem para manter a primeira mulher por perto são apenas um reflexo da necessidade de se preservar o afeto. O ator também reafirma sua posição como defensor da cultura no Brasil. O longa foi dirigido por Gustavo Rosa de Moura e contou com a colaboração dos atores na construção do roteiro.
Confira a entrevista na íntegra:
O que você faria se vivesse o mesmo drama que o Carlos na vida real? Eu não sei exatamente, mas acho que de alguma forma eu estaria preparado graças a esse tempo de convivência com a situação. Em cena, a gente não se prepara para quando a Bia acorda. A gente lida com o momento como se fosse um dia a dia normal deles. É justamente para tentar se aproximar dessa realidade. Pela experiência que eu tenho de casos próximos a mim e do que a gente estudou, eu acho que seria mais ou menos como eu me organizaria.
Qual foi a parte mais difícil de gravar? Esse filme tem uma uma característica bem atípica, que foi o fato de a gente ter trabalhado bastante no roteiro com o Gustavo. O Gustavo convidou a Andréa primeiro, a Andrea fez uma leitura e algumas observações, e o Gustavo foi muito generoso em adaptar. Então, a gente que foi entrando, eu, depois a Mariana Lima, a Luisa Arraes, que acabou não podendo fazer o filme – Luisa seria Carol, que acabou interpretada por Lara Tremouroux. A gente entrou em um processo colaborativo de criação, de pesquisa. O Gustavo vinha para cá para o Rio, encontrava com a gente, lia, falava uma porção de coisas, trazia ideias, ele voltava para São Paulo, mexia no roteiro. Passavam-se quinze, vinte dias, voltava para cá para fazer mais uma leitura. A gente fez isso algumas vezes, então esse processo facilitou muito, porque as relações, as dificuldades, as transições, todas tinham sido ou apontadas ou discutidas.
Qual você acha que é o maior diferencial do Ela e Eu? Eu acho um filme especialmente bonito, ele é um reflexo do afeto, fala de afeto o tempo todo, de cuidado, de amor, ele propõe vários temas e reflexões sobre esses temas e em nenhum momento ele é panfletário ou ergue uma bandeira em relação a qualquer tipo de coisa, então eu acho que o Gustavo opta em algumas cenas muito decisivas por contar de uma maneira muito inteligente, menos óbvia ou apelativa, então ele é muito sensorial. Ele conta o Rio de Janeiro de um ângulo e de um olhar tão bonito quanto a gente que conhece o Rio, mas muito pouco explorado ou quase nada explorado. Então acho que o filme tem muitas virtudes, é um filme de um elenco pequeno. Onde existe também uma facilidade para se conseguir essa hegemonia, de entendimento do contracenar, eu acho um filme com muito potencial. Eu assisti o filme depois de um tempo e fiquei muito mexido.
Você voltou ao ar de novo como o rústico Petruchio de O Cravo e a Rosa, 22 anos depois da estreia. Em Ela e Eu, o seu personagem é um homem mais sensível. Como enxerga esse contraste? Eu escuto muito isso, o Petruchio tinha uma coisa que é a doçura, a ingenuidade. Ele é machista porque a obra é assim, a gente vem de A Megera Domada, mas é um cara purinho, é bom. É uma novela de época, em que o cara é da roça. Eu gravei muito na fazenda, então ficava muito lá com os bichos, carroça, cavalo. Já o Carlos do filme é um contemporâneo da cidade. São personagens muito legais e complexos. O Petruchio é um personagem de televisão, de uma telenovela, muito rico. Não é à toa que ele tá aí até hoje, né? Não só ele, claro, mas a novela toda, a trama, um elenco fantástico.
Entre novela, série e filme, qual é o gênero que prefere fazer? Eu acho que a nova onda do streaming, com todas essas plataformas e todos os tipos de formas de se contar uma história, elas são todas preciosas no nosso trabalho. Você contar uma história em oito capítulos, como é uma série, normalmente, com princípio, meio e fim é muito legal. Apesar de você não saber se vai ter uma segunda temporada. Você fazer um filme que vai ter duração de uma hora e meia, duas horas, e você se prepara durante dois meses para uma coisa que será vista em uma tela grande, quer dizer, a gente espera que chegue até o cinema. Então eu acho que vai depender muito mais do que que é o projeto, do que uma escolha minha. Não é que eu prefiro fazer televisão, cinema ou série. É muito mais o projeto que é proposto do que uma preferência minha.
Como o vilão que era o terror das mulheres na primeira temporada de Bom Dia, Verônica, da Netflix, como reagiu com essa história da Klara Castanho, que está na segunda temporada da série? Na época que a gente fez o Bom Dia, Verônica, a série trazia um alerta no final dos capítulos para denunciar abuso, para que a gente não se cale, falamos muito disso na divulgação. É muito doloroso, né? Eu vi um post do Chico César em que ele se fotografa em um quarto de hotel em Teresina e faz um texto curto exatamente questionando sobre o que é ser homem. E é um texto lindo. E a questão é essa. O que que nós, homens, podemos e devemos fazer para mudar essas violências. A gente vem de muito tempo em uma cultura muito cruel e perversa. É muito doloroso.
Como avalia a situação da cultura no governo Bolsonaro? É uma loucura isso que a gente está vivendo. Estamos acompanhando todo o movimento que pressiona pelo não veto das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, então é uma loucura. A gente está sufocado, mas a gente vai resistir.
Então, politicamente, você está entre os artistas que torcem pela derrota de Jair Bolsonaro (PL)? Definitivamente, para todo sempre, amém.