‘Criador do BlackBerry inventou o futuro sem perceber’, diz diretor
Ator e cineasta Matt Johnson fala a VEJA sobre o filme que conta a história de glória e ruína do avô dos smartphones

Conhecido no meio cinéfilo por conduzir filmes inusitados em formato de documentários fakes, o ator e diretor canadense Matt Johnson se diz um total ignorante quando o assunto é tecnologia. Porém, ao ler um livro que contava a história do BlackBerry, primeiro smartphone a colocar internet nas mãos dos usuários, ele teve uma epifania. “Me identifiquei com aqueles caras e fiz uma conexão entre ser um jovem cineasta e um nerd de tecnologia tentando emplacar sua invenção”, contou Johnson em entrevista a VEJA. Nesta quinta-feira, 12, chega aos cinemas brasileiros o fruto dessa jornada, o filme BlackBerry, que vem causando burburinho nos festivais por onde passou. Rodado com a estética de documentário que Johnson domina – ele também interpreta um dos personagens principais, o co-criador do dispositivo, Doug –, o longa acompanha o desenrolar da história de glória e ruína do celular que chegou a dominar o mercado mundial de telefonia para, hoje, se tornar um animal em extinção.
Qual era sua relação com o BlackBerry antes do filme? Eu nunca nem tinha tocado em um BlackBerry, não sabia nada sobre ele. Foi quando li o livro Losing the Signal: The Untold Story Behind the Extraordinary Rise and Spectacular Fall of Blackberry (Perdendo o Sinal: A História Não Dita da Extraordinária Ascensão e Queda do BlackBerry) que me maravilhei ao descobrir como tudo isso funciona. Mas a parte da tecnologia não era minha favorita, eu sempre pulava as páginas para ler sobre a história dos criadores Doug Fregin, Jim Balsillie e Mike Lazaridis. E eu me identificava com tudo o que eles diziam, especialmente o Jim, eu pensava: “sou exatamente assim ao fazer filmes – sou o tipo arrogante impetuoso, idiota e rude”. E, ao mesmo tempo, como Mike, também sou um perfeccionista que se recusa a fazer concessões. Ele destruiu a própria empresa por não estar disposto a ceder e eu entendo isso perfeitamente. Me identifiquei com aqueles caras e fiz uma conexão entre ser um jovem cineasta e um nerd de tecnologia tentando emplacar sua invenção, logo, me apaixonei pelo conceito da história.
Como é sua relação com o celular? Eu tenho um iPhone, desde o primeiro que lançou. Eu nunca tentei usar outras marcas. Mas uma coisa que eu tenho muita vontade é de simplesmente me livrar do celular durante o meu dia. Fiquei 12 horas sem ele uma vez, e quase enlouqueci.
Acha que o BlackBerry ainda teria chances em um mundo dominado por iPhones e Galaxys? Acho que sim, hoje em dia vejo pessoas que querem telefones e dispositivos que façam menos – um telefone que só mande mensagens ou só faça ligações. Se o BlackBerry tivesse feito um dispositivo que fizesse intencionalmente menos do que o iPhone, em vez de tentar competir ele, aposto que ele ainda seria usado.
O filme sugere que um dos maiores erros da empresa foi um senso de orgulho que os impediu de inovar. Era essa a intenção? Sim. Um problema muito megalomaníaco é que quando você faz algo importante, você se cerca de bajuladores sem querer e, de repente, ninguém está dizendo a verdade. Como Mike, ele inventou o futuro sem perceber, e se recusava a admitir que alguém poderia fazer isso melhor do que ele. Então, ele para de inovar e simplesmente dobra a aposta e repete a ideia original.
Algumas das pessoas retratadas no filme disseram que não se parecem com os personagens. Quis fazer uma adaptação realista ou uma leitura livre dessas pessoas? Eu diria que Mike e Jim foram retratados da forma mais realista possível dentro dos limites da ficção – e não como se eles tivessem sido personificados, mas os atores trouxeram muito de si mesmos para os personagens. Mas a pessoa que foi retratada da maneira mais irrealista foi o Doug, que eu interpretei; isso porque tinha muito pouco registro sobre ele, haviam apenas algumas passagens no livro para seguir.
A produção tem um tom de documentário, mas é uma ficção. Por que essa escolha? O filme para mim sempre foi sobre essa perspectiva de trabalho: as três razões pelas quais eu acho que as pessoas trabalham. Por exemplo, a gente se motiva a fazer algo muito bem feito. O Mike era assim, um perfeccionista que queria ser ótimo e queria tornar o mundo um lugar melhor. Jim queria trabalhar para acumular poder, riquezas e viver uma vida boa – e é um desejo válido em qualquer profissional, de aproveitar a vida com o que você ganha no trabalho. A outra razão do trabalho, com o qual eu realmente me identifico, é trabalhar porque é divertido, é algo que você gosta. Eu gosto de ir trabalhar porque quando estou lá eu me sinto como uma criança novamente. E é disso que se trata o personagem do Doug. Eu sinto que esses três elementos trabalhando juntos criam uma pessoa incrível; você tem uma ótima vida se encontra essas três coisas em sua profissão – mas se uma delas estiver desequilibrada, que foi o caso dos criadores do BlackBerry, então pode ser ruim. Os três se equilibravam – tanto que, assim que Doug deixou a empresa, seus egos ficaram fora de controle, e eles se autodestruiram.