Como ‘As Branquelas’ foi de besteirol tosco a clássico peculiar da comédia
Filme de 2004 resistiu ao teste do tempo e está em alta na Netflix mundial com seu humor politicamente incorreto

Numa madrugada aleatória, o ator e comediante Shawn Wayans viu na TV a socialite Paris Hilton e ligou para o irmão Marlon com uma ideia absurda: “a gente deveria interpretar duas garotas brancas”. Marlon achou o papo absurdo, afinal, ambos são negros, para começar. A reação noturna bizarra de uma mente criativa virou, em 2004, o filme As Branquelas. Na trama, Shawn e Marlon são agentes do FBI que se disfarçam como duas ricaças loiras ameaçadas de sequestro. O que parecia uma péssima ideia, na época, foi recebida justamente assim. A crítica especializada execrou o filme – que foi indicado em cinco categorias do Framboesa de Ouro, premiação irônica que se autodenomina como o Oscar ao contrário. Mas o público tinha outros planos. O filme explodiu em bilheteria e, agora, quase vinte anos depois, ainda mostra seu apelo: recentemente As Branquelas entrou no catálogo da Netflix, e logo se instalou entre os mais vistos da plataforma no mundo.
As razões do sucesso do filme são muitas e sua resistência ao teste do tempo impressiona. Apesar de ser um besteirol americano, As Branquelas tem em seu favor atores excelentes e sem medo do ridículo. A dupla de protagonistas passava horas na maquiagem para a aplicação de próteses que os deixavam irreconhecíveis, mas não inexpressivos. Mesmo com um roteiro politicamente incorreto, com piadas hoje facilmente canceláveis, o filme já satirizava temas universais e que continuam atuais, especialmente as diferenças de classe, cor e gênero. Apesar dos privilégios das jovens brancas e ricas, o fato de serem mulheres as deixavam em um lugar de vulnerabilidade, como os dois policiais vão descobrir rapidamente – especialmente com as investidas incansáveis de Latrell (Terry Crews, impagável).
Os irmãos disseram que uma grande inspiração para o filme é a divertidíssima comédia Quanto Mais Quente Melhor (1959), com Marilyn Monroe. A produção segue dois músicos que se escondem numa turnê de uma banda feminina, para fugir de mafiosos. Os atores Tony Curtis e Jack Lemmon, claro, se vestiam de mulher para o disfarce. E, enquanto um deles se apaixona pela personagem de Marilyn, o outro descobre eventualmente que o figurino feminino lhe cai muito bem. Não foi o caso dos atores de As Branquelas, que hoje só não guardam uma boa recordação do filme por causa da maquiagem exagerada.