As razões por trás da crise dos super-heróis da Marvel nos cinemas
Após mais de uma década dominando as bilheterias, as superproduções amargam arrecadações pífias que refletem o cansaço do público com a fórmula
Nos quadrinhos, o lema de Carol Danvers, a Capitã Marvel, é superlativo: “Mais alto, mais longe, mais rápido”. A heroína chegou aos cinemas em 2019, vivida por Brie Larson — a produção lotou salas de cinemas no mundo, acumulando mais de 1,1 bilhão de dólares na venda de ingressos. A popularidade da personagem lhe conferiu uma vaga especial em Vingadores: Ultimato, lançado no mesmo ano, que se tornou a segunda maior bilheteria da história, somando 2,7 bilhões de dólares — atrás de Avatar, que ostenta 2,9 bilhões. Parecia uma personagem invencível na luta contra o mal e na capacidade de amealhar cifrões.
Passados quatro anos, no entanto, o cenário mudou um bocado: dez filmes depois e onze séries de TV no Disney+, o opulento universo dos estúdios Marvel entrou em queda livre. O mais recente fracasso envolve justamente a heroína Carol Danvers, uma das estrelas de As Marvels, sequência do filme de Brie Larson, agora com duas coprotagonistas, Iman Vellani (a Ms. Marvel) e Teyonah Parris (Monica Rambeau). Após duas semanas em cartaz, o longa não chegou aos 200 milhões de dólares — o montante investido foi de 220 milhões, e, para ser lucrativa, a produção deveria passar dos 600 milhões.
Nesse ritmo, As Marvels será o maior fracasso da história do estúdio, liderando o triste ranking que já conta com Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, também deste ano, e Eternos, de 2021. São sinais claríssimos de um vilão muito perigoso, o esgotamento da fórmula. Os roteiros manjados seguem uma lógica-padrão: nela, o protagonista passa por algum drama (uma crise existencial, por exemplo), mas se recupera a tempo de salvar o mundo — claro, sem esquecer das sequências intermináveis de lutas e efeitos especiais. Tudo tão previsível que está ficando chato até para grandes fãs.
Funko Pop! Homem de Ferro – Os Vingadores
Boa parte desses adeptos encantou-se por esse universo lendo os quadrinhos da Marvel, que se destacavam justamente pela criatividade. Nos anos 1960, Stan Lee sacudiu a editora de HQs ao se distanciar do estereótipo do herói imbatível com a criação do Quarteto Fantástico e, especialmente, do Homem-Aranha, personagens imperfeitos, inseguros e moralmente ambíguos.
Na primeira fase da transposição das HQs para as telas de cinema, as produções conseguiram manter esse espírito, como ficou claro em Homem de Ferro, que marcou em 2008 o início da febre. De lá para cá, a Marvel, sob o guarda-chuva da Disney, explodiu, e arrecadou impressionantes 30 bilhões de dólares com 33 filmes. Só que a ambição de expandir mais e mais esse universo logo virou um tiro no pé. O excesso de lançamentos fez cair até o apelo desse tipo de filme junto à geração Z: a porcentagem de espectadores entre 18 e 24 anos da atual fase da Marvel foi de 32% para 29%. Enquanto isso, as séries do Disney+ tentaram inovar, mas de forma desastrosa: inicialmente, os vilões ganharam o protagonismo, de Wandavision a Loki, duas tramas que começaram ousadas, antes de se render à velharia apocalíptica.
The Marvel Cinematic Universe – Official Timeline
Enquanto os heróis foram caindo na absoluta mesmice, produções como o arrasa-quarteirão Barbie deixaram evidente a maior fraqueza dos poderosos da Marvel e da rival DC: sem um roteiro decente, não há Hulk capaz de salvar o planeta-bilheteria. Vale lembrar que, numa galáxia não muito distante, o aclamado cineasta Martin Scorsese, responsável por clássicos como Touro Indomável, foi desancado por acusar o filão heroico de pobreza criativa, dizendo que os filmes eram só um “parque de diversão”. Ironicamente, o mais recente longa de Scorsese, Assassinos da Lua das Flores, está empatado em bilheteria com As Marvels. Custou um pouco menos e é bem melhor do que qualquer coisa da atual safra de super-abacaxis.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869
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