As lições de felicidade e amadurecimento do diretor de um belo filme
Em entrevista a VEJA, James Gray falou sobre as escolhas que o levaram a revisitar a própria infância no tocante 'Armageddon Time'
Em meio às mudanças culturais e políticas da década de 1980 no bairro do Queens, em Nova York, um jovem chamado Paul Graff (Banks Repeta) experimentou as alegrias (e principalmente dores) do amadurecimento sob regras sociais que ainda não conhecia muito bem. A jornada, descrita no filme Armageddon Time, é um exercício autobiográfico sobre a infância do diretor James Gray. Ao revisitar aquele período da própria vida, ele levanta discussões atualíssimas, do racismo que um amigo negro sofreu até as questões pessoais envolvendo antissemitismo. Em entrevista a VEJA, o cineasta falou sobre o longa, as escolhas que o levaram a revisitar a própria juventude e como ele enxerga seu passado hoje, aos 53 anos. Confira:
Por que escolheu esse período de sua vida para retratar no filme? Prefiro narrativas abertas. Quando você é muito jovem, não tem compreensão do mundo. E talvez essa seja a melhor maneira de viver. Já na fase adulta você acha que tem uma compreensão mais completa. Mas a fase dos 11 ou 12 anos, logo antes de chegar à adolescência, é um momento de verdadeira turbulência. E é quando você começa a fazer avaliações do mundo como um lugar hostil e muito difícil. Então, eu me lembrei dessa série de incidentes na minha infância e pensei que eles tinham um significado real tanto como símbolo dos rumos do meu país quanto pessoalmente para mim e meus amigos. Foi um período muito importante.
Agora, aos 53 anos, como enxerga a própria infância? Vejo minha infância como uma completa bagunça. Como algo grande e terrível, e tudo que fica no meio disso. Quanto mais penso naquela fase de minha vida, mais fico confuso. Na verdade, não faço julgamentos sobre o que fiz e por que fiz, apesar de enxergar algumas causas e raízes. Revisitar o período me deixou com um sentimento estranho por dentro, um sentimento desconfortável. Mas tudo bem. É o que deveria ser.
Em determinado momento do filme, o protagonista vai de uma escola pública para uma particular onde Fred Trump (1905-1999), pai de Donald Trump, era presidente do conselho escolar. Como enxerga as gerações formadas naquele ambiente? Bom, de todo mundo que conheço da escola, hoje alguns estão apenas tentando ser artistas, mas em sua maioria são médicos, advogados, profissionais de alto escalão, banqueiros. Eles se saíram muito bem e provavelmente estão exatamente na mesma posição social e econômica que ocupavam quando nasceram. Como vejo isso? Com algum grau de cinismo. Apesar disso, também acho que eles estão vivendo suas vidas da melhor maneira possível. Não aponto dedos para aquelas crianças ou o que quer que seja. Todo mundo fez o melhor que pôde com o que tinha. Você só pode ir tão longe com sua compreensão de mundo quando sua educação e sua boa sorte permitem. Não é tão fácil sair de sua própria vida ou mundo e entender a si mesmo em qualquer tipo de contexto maior que exija muita sabedoria. Nem tenho certeza se tenho isso também. Não é fácil.