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Alejandro Iñarritu vai do sonho ao pesadelo no novo filme ‘Bardo’

O diretor mexicano trafega pela história de seu país e por sua própria biografia no longa eleito para representar o México no Oscar 2023

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h16 - Publicado em 18 nov 2022, 06h00

Em uma visita à agitadíssima Cidade do México, o jornalista e documentarista Silvério conversa no carro com um motorista de aplicativo. Beirando os 60 anos, ele soma décadas vivendo nos Estados Unidos, mas, claramente, tem contas a acertar com sua terra natal. O condutor do veículo resume, com um provérbio popular, o laço incômodo que acompanha os imigrantes mexicanos para além das fronteiras: “O México não é um país, é um estado mental”. No deslumbrante filme Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades (Bardo, Falsa Crónica de unas Cuantas Verdades/México/2022), em cartaz nos cinemas (e na Netflix a partir de 16 de dezembro), o cineasta Alejandro G. Iñárritu transpõe essa ideia para a tela — com cores vivas e pitadas oníricas. “No México, o político, o social, o privado, o religioso, a vida e a morte são uma coisa só e em constante interação”, disse o diretor em entrevista via Zoom a VEJA.

História Concisa do México
O regresso

Alter ego de Iñárritu, Silvério (vivido por Daniel Giménez Cacho) é um homem bem-sucedido de classe média alta em um país de profunda desigualdade social. Autodesignado “imigrante de primeira classe”, ele se muda para Los Angeles com a família em busca de mais segurança e oportunidades. Ao mesmo tempo, é consumido por sentimentos opostos: de um lado, a culpa por ter abandonado seu país; do outro, o ressentimento de viver em uma nação que o recebe, mas não é seu lar. As questões sociais se entrelaçam com um trauma pessoal: a perda de um filho logo após o parto. Enquanto processa sua trajetória, Iñárritu passeia pelo passado do México, ora de forma tragicômica, ora como um pesadelo: uma cena impactante retrata, com uma pirâmide humana, as feridas do genocídio indígena promovido pela colonização espanhola — o que remete também às lembranças das ruínas astecas, hoje ponto turístico na Cidade do México.

Ao lado dos americanos John Ford e Joseph L. Mankiewicz, o mexicano alcançou o feito de ganhar o Oscar de direção duas vezes em anos consecutivos, por Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), em 2015, e O Regresso, em 2016. O sucesso não foi suficiente para calar suas inseguranças — estas acentuadas pelas críticas negativas dos americanos ao novo filme. Eleito pelo México para concorrer a uma vaga no Oscar de filme internacional, Bardo causou um claro desconforto entre a crítica de lá, provavelmente por suas alfinetadas diretas aos Estados Unidos. Primeiro longa de Iñárritu totalmente rodado no México desde o excelente Amores Brutos (2000), Bardo é uma experiência que transcende a sala do cinema: trata-se de um devaneio sobre a vida daqueles que oscilam entre o amor e o ódio pelas próprias origens — sentimento comum aos latinos, do México ao Brasil.

Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816

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