A verdadeira Virginia que merece a sua atenção (e seus neurônios)
Em tempos de influenciadores vazios, um romance centenário se impõe como antídoto anti-ignorância

Entre as frases icônicas que abrem grandes romances está uma deveras peculiar. Trata-se da abertura de Mrs. Dalloway, obra mais famosa da autora Virginia Woolf (1882-1941), que começa assim: “Mrs. Dalloway disse que ela mesma iria comprar flores”. A ação simples desenrola uma série de eventos, pensamentos e divagações, que acontecem ao longo deste único dia — o que tornou a frase uma espécie de sinônimo para “fuga da realidade”. Clarissa, a Mrs. Dalloway do título, é uma socialite londrina que vive o período pós-Primeira Guerra. Sua vida parece fútil e monótona – nem mesmo era dela a tarefa de comprar as tais flores para a festa que vai sediar naquela noite. Mas sua mente é inquieta e Clarissa entende viver em uma gaiola de ouro, em um casamento por conveniência e em um ambiente mergulhado em preconceitos.
O livro enxuto, com pouco mais de 200 páginas, foi lançado há exatos 100 anos, no dia 14 de maio de 1925, sendo um dos pioneiros da narrativa que explora o fluxo da consciência humana. Ao lado dos mestres James Joyce e William Faulkner, ajudou a instaurar o estilo literário psicológico que inspirou ninguém menos que Clarice Lispector e, ainda hoje, desafia autores. Virginia, porém, foi muito mais que “apenas” uma escritora. Pensadora e intelectual, ela cravou trincheira em meios onde mulheres não eram aceitas em sua época. Defendeu o direito feminino à independência social e financeira. Foi contra todo tipo de caretice, da literatura à vida pessoal. Criticou a guerra, os excessos da burguesia, o julgamento de classes.
Em tempos de influenciadores vazios e irresponsáveis nas telas do celular, a literatura de Virginia Woolf se revela, ainda, um dos melhores e mais elegantes antídotos contra a ignorância e a estupidez. Que tal sair das redes sociais por algumas horas e comprar flores com Mrs. Dalloway?

Para conhecer mais sobre Virginia Woolf
Assista o filme As Horas, disponível gratuitamente no Mercado Play e em plataformas de aluguel como Prime Video. Na produção, Nicole Kidman interpreta a autora no início do século XX, sofrendo de depressão e se esforçando para finalizar Mrs. Dalloway. Ao longo de décadas, a obra vai repercutir na vida de outros personagens.