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A trajetória de Isabel Allende, de imigrante a dama da literatura latina

Em seu novo livro, a autora chilena volta à sua terra natal com uma trama sobre família e amor em plena guerra civil, que dividiu o país no século XIX

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 7 jun 2025, 08h00

Em 1973, Isabel Allende visitou Pablo Neruda em Isla Negra, litoral do Chile, com a intenção de entrevistá-lo para a revista em que ela trabalhava. Saiu de lá com um conselho do Nobel de Literatura: a então repórter deveria abandonar o jornalismo e escrever romances. Segundo Neruda, ela tinha mais talento para a ficção do que para a realidade. Isabel não gostou da sugestão. Dois meses depois, a conversa perdeu drasticamente a importância. Em um violento golpe de Estado, Augusto Pinochet tomou o poder no país e o então presidente, Salvador Allende, tio de Isabel, se matou. Opositor do regime, Neruda morreu no hospital em seguida, sob circunstâncias suspeitas. Não demorou para Isabel entrar na mira do ditador e fugir do país. Conta que chorou ao cruzar de avião a imensa Cordilheira dos Andes. Quase dez anos depois, no exílio, ela enfim aceitou o conselho do poeta. A partir da ficção, encontrou um passaporte para voltar ao próprio país, mesmo que dentro de sua mente. Ela se recusou, porém, a arredar o pé totalmente da realidade. Em 1982, lançou o monumental A Casa dos Espíritos, peça essencial do cânone do realismo mágico latino-americano que conta a história de quatro gerações de uma mesma família chilena, que vão do sonho de construir um país próspero e livre até o revés da ditadura militar.

Hoje aos 82 anos de idade, a autora se mantém ativa e criou uma nova ramificação do famoso clã: acaba de chegar às livrarias Meu Nome É Emilia Del Valle, publicado pela editora Bertrand Brasil, romance que segue a jornalista do título na cobertura da guerra civil que dividiu o Chile no fim do século XIX. Emilia é ancestral de Clara del Valle Trueba, protagonista de A Casa dos Espíritos, que foi representada no cinema pela atriz Meryl Streep em um filme de 1993. “É uma bela produção, mas muito hollywoodiana”, disse a VEJA a autora (leia a entrevista abaixo). Ela celebra, então, que o título vai ganhar em breve uma minissérie da Amazon, feita por chilenos e falada em espanhol. Combinação essencial para um profundo entendimento da obra.

HOLLYWOOD - Glenn Close e Meryl Streep: adaptação de A Casa dos Espíritos
HOLLYWOOD - Glenn Close e Meryl Streep: adaptação de A Casa dos Espíritos (./Divulgação)

Vivendo nos Estados Unidos há décadas, Isabel diz que o Chile está em seus ossos. Até hoje ela escreve originalmente em espanhol e seus livros, que já venderam estonteantes 80 milhões de cópias no mundo, se valem das ferramentas da ficção e da fantasia para narrar dramas históricos que marcaram seu país e a América Latina. Em abordagens mais pessoais, Isabel usa as páginas para falar de si e expurgar traumas antigos, caso da belíssima biografia Paula (1994), sobre a morte de sua filha, então com 28 anos, vítima de porfíria, e até mesmo de Meu Nome É Emilia Del Valle. Apesar de não ser intencional, a protagonista em muito lembra a própria autora.

Meu Nome É Emilia Del Valle, de Isabel Allende (tradução de Ivone Benedetti; Bertrand Brasil; 308 págs.; R$ 69,90 e R$ 39,90 em e-book)
Meu Nome É Emilia Del Valle, de Isabel Allende (tradução de Ivone Benedetti; Bertrand Brasil; 308 págs.; R$ 69,90 e R$ 39,90 em e-book) (./.)
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Na trama, Emilia é fruto de um breve relacionamento entre uma noviça americana e um forasteiro chileno na Califórnia. Ele não reconhece a filha e a mulher, grávida, se casa com um amigo. Emilia cresce apaixonada por livros e começa a escrever pequenas tramas policiais sanguinolentas sob um pseudônimo masculino — ela até tenta tecer romances açucarados e femininos, mas não tem talento para isso. A moça vira colunista de um jornal até conseguir a chance de ser correspondente de guerra no Chile para, quem sabe, conhecer o pai que a abandonou. Como a protagonista, Isabel teve pouco contato com o pai biológico, o diplomata Tomás Allende, foi criada com amor pelo padrasto, se aventurou no jornalismo e até tentou tecer livros ditos para mulheres, sem sucesso. “Esses romances vendiam tanto e pareciam tão fáceis de escrever. Pensei: eu consigo fazer um. Mas não consegui. Sou uma mulher ruim”, disse ela com seu humor ácido. Apesar das capas coloridas com ilustrações de traços singelos, seus livros são dramas familiares robustos, com reflexões sobre a vida, a sociedade e a política.

Um tema que lhe toca de forma profunda é o deslocamento humano. Ela possui uma fundação que patrocina organizações que defendem os direitos de mulheres e imigrantes — ação que vem sendo mitigada pela dura política de Donald Trump. “Continuaremos trabalhando”, disse ela. Isabel Allende já cravou seu nome na história — e impôs ao mundo a existência de tramas tipicamente latinas. Uma dama incontornável das letras e da memória de seu país.

“Me sinto chilena”

A autora fala a VEJA sobre sua obra e seu trabalho com imigrantes nos Estados Unidos.

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Vivendo há tantas décadas fora do Chile, por que o país ainda é seu cenário favorito? É difícil explicar. Morei poucos anos no Chile. Meu pai e meu padrasto eram diplomatas. Viajei muito. Mas o Chile está nos meus ossos. É meu país, me sinto chilena.

A senhora tem uma fundação que ajuda imigrantes em solo americano. Como está esse trabalho com Donald Trump na Presidência? Estou em choque com esse governo e essa política dura anti-imigração. Minha fundação patrocina projetos variados, entre eles advogados que defendem crianças que são separadas dos pais na fronteira e podem ser deportadas sozinhas. É um absur­do. Enquanto pudermos, continuaremos trabalhando.

Tem medo de sofrer retaliação? Acho difícil, mas podemos até ser acusados de terrorismo.

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Este ano A Casa dos Espíritos vai virar uma minissérie em espanhol. Está animada? Sim. É um belo filme, mas muito hollywoodiano. Na época, só assim era possível fazer uma adaptação. Com astros americanos.

Como faz para continuar produtiva até hoje? Eu amo o que faço. Enquanto meu cérebro funcionar, continuarei escrevendo.

Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947

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