A mente singular por trás do terror feminista ‘Men: As Faces do Medo’
O inglês Alex Garland cruza novas fronteiras ao retratar o luto e a misoginia — provando que é sempre original
O inglês Alex Garland esboçou a primeira versão de Men: Faces do Medo (Men, Reino Unido, 2022) há quinze anos — e sua temática ficou, com o tempo, ainda mais urgente. O terror filosófico já em cartaz nos cinemas expõe os piores cenários possíveis para uma mulher, do relacionamento tóxico ao julgamento advindo da culpa cristã, até o pavor de ser perseguida por um estranho. Quando mostrou o roteiro a um amigo, o diretor de 52 anos ouviu a resposta de praxe — a de que se tratava de uma análise feminista sobre os “perigos do patriarcado”. Outro conhecido, porém, interpretou o mesmo texto como um retrato das mulheres que enlouquecem os homens. “Não tenho controle sobre as interpretações — e não quero entregar respostas numa bandeja”, disse Garland sobre suas tramas enigmáticas em entrevista recente.
A um só tempo profundo, surpreendente e pop, Garland é uma mente singular no entretenimento. Ele estourou aos 25 anos, em 1996, como garoto prodígio da literatura britânica. Seu romance A Praia, adaptado em 2000 para o cinema com Leonardo DiCaprio, mostrava o mal-estar por trás da animação libertária da geração das raves. A partir do êxito literário, as amplas ambições de seus roteiros ajudaram a colar em Garland o selo de intelectual. Especialmente com sua estreia na direção de filmes, o brilhante Ex_Machina, de 2014: a memorável ficção científica fala sobre uma androide sensual que usa a misoginia humana como vantagem evolutiva a seu favor.
Filho de um cartunista político e de uma psiquiatra (que, por sua vez, é filha de um Nobel de Medicina), Garland cresceu envolto pelos temas que retrata. Da distopia biológica Aniquilação (2018) à minissérie permeada de postulados da mecânica quântica Devs, disponível no Star+, sua obra tem sede de experimentações narrativas — mas nunca perde de vista o entretenimento. Com Men, ele elevou a régua dessa busca. Em luto, a protagonista Harper (Jessie Buckley) aluga uma casa no interior da Inglaterra. A paz é interrompida por uma estranha sequência de perseguidores masculinos (todos interpretados pelo estupendo Rory Kinnear). No início, quando come uma maçã do quintal da casa, Harper é repreendida numa brincadeirinha pelo proprietário. “Esse é o fruto proibido”, diz ele, numa referência ao pecado original da figura bíblica de Eva. Para mentes em ebulição, nenhuma pista passará batida.
Aniquilação: (Trilogia Comando Sul vol. 1)
A destreza para unir elementos do terror aos campos da psicologia, da religião e da filosofia faz de Garland um discípulo aplicado de Stanley Kubrick (1928-1999), diretor de clássicos como 2001 — Uma Odisseia no Espaço (1968). A comparação ilustre, porém, não exorciza um fantasma pessoal: Garland é acometido pela “síndrome do impostor” — termo aplicado àqueles que se autossabotam por se achar uma fraude. Humilde, ele vê as críticas a seus filmes como prova de sua falta de estudo na área — razão pela qual planeja parar de dirigir por um tempo e voltar à literatura. Jogando em qualquer posição, continuará sendo Alex Garland — ainda bem.
Publicado em VEJA de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806
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