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‘A Baleia’: o mergulho emocional que pode dar Oscar a Brendan Fraser

No filme, um homem que sofre de obesidade mórbida enfrenta fantasmas do passado

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h33 - Publicado em 24 fev 2023, 06h00

Em uma aula de redação online, a câmera do professor é a única desligada. Educado, Charlie (Brendan Fraser) diz aos alunos que em breve vai achar um tempinho para consertar o aparelho. Enquanto isso, a câmera do cineasta Darren Aronofsky abre seu enquadramento para mostrar o que Charlie quer esconder: ele é um homem com mais de 270 quilos, de cabelo ralo e manchas na pele. Em A Baleia (The Whale; Estados Unidos; 2022), em cartaz nos cinemas, Charlie vive confinado em seu sofá. Sair dali é uma tarefa hercúlea, assim como todas as outras que envolvam mobilidade: ele depende de um andador e de aparatos posicionados pela casa que lhe concedem um mínimo de independência— como se deitar ou se levantar sozinho e apanhar algo que caiu no chão. Um dia, uma adolescente entra impetuosa na casa, o observa de cima a baixo e diz: “Isso quer dizer que eu vou engordar?”. A jovem de 17 anos é Ellie (Sadie Sink, de Stranger Things, ótima), filha que Charlie não vê há oito anos. O esforço dele para reconquistar a menina é a força motriz do filme que deu a Fraser sua primeira indicação ao Oscar — e faz dele (com razão) um franco favorito ao prêmio.

arte Oscar

Ao confiar o papel de Charlie a Fraser, estrela de Hollywood dos anos 1990 que caiu em ostracismo, A Baleia se impõe como mais um atestado da ousadia da A24, estúdio responsável pelo longa e que vem chacoalhando a mesmice de Hollywood. A produtora independente alcançou um recorde notável no Oscar deste ano, ao conquistar dezoito indicações distribuídas entre seis longas — sendo o principal deles o alucinante Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, favorito à estatueta de melhor filme. Integram o pacote o belga Close, na disputa por filme internacional, Aftersun e Passagem, em categorias de atuação, e a animação cult, inédita no Brasil, Marcel the Shell with Shoes On. O feito põe o modesto estúdio à frente de gigantes do setor, como Warner e Paramount, e na cola da ainda imbatível Disney — ela lidera com 22 indicações, mas diluídas entre suas várias marcas: Marvel, Pixar, 20th Century etc.

Moby Dick

Sediada em Nova York e criada em 2012 por três entusiastas do cinema, John Hodges, David Fenkel, Daniel Katz, a A24 virou um selo de qualidade ao apostar em tramas criativas e muitas vezes sombrias, com talentos veteranos e novatos prontos a arriscar (leia abaixo). Assim, foi a escolha natural de Aronofsky para voltar ao cinema indie após uma incursão pelo mundo dos orçamentos estonteantes que resultou em naufrágios como Noé (2014).

REVELAÇÃO - Sadie: filha rebelde em atuação primorosa -
REVELAÇÃO - Sadie: filha rebelde em atuação primorosa – (A24 Films/Divulgação)

Darren Aronofsky’s Films and the Fragility of Hope

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Em sua melhor fase, assinando títulos como Réquiem para um Sonho e Cisne Negro, o diretor americano provou que é afeito a tramas que atropelam o público, deixando marcas indeléveis. Quando Aronofsky foi à Broadway, em 2012, assistir à peça The Whale, do dramaturgo Samuel D. Hunter, o jogo virou: quem saiu com cicatrizes profundas do teatro foi ele. Hunter cresceu no interior de Idaho, Meio-­Oeste americano, e sofria de compulsão alimentar e depressão. Matriculado em um colégio religioso, incorporou mais uma ferida a seus tormentos mentais: a dor da homofobia. O adolescente pedia a Deus para não ser mais gay — repressão que o levou a um caminho de autodestruição. “Tive sorte de conhecer meu marido, que se tornou um apoio”, disse Hunter em entrevista. Refletindo sobre a experiência, ele pensou: e se ninguém tivesse me ajudado? Nascia então Charlie, que é gay e sofre com o luto da morte do namorado.

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Mantendo o clima teatral, o filme é ambientado na casa de Charlie — e os poucos personagens a seu redor são espelhos de fases da vida do dramaturgo. Além da filha, ele recebe a visita da amiga e enfermeira Liz (Hong Chau, também indicada ao Oscar) e de Thomas (Ty Simpkins), missionário que almeja salvar a alma de Charlie da perdição. As idas e vindas acontecem ao longo de uma semana, período em que o protagonista encara a possibilidade da morte por insuficiência cardíaca. Em momentos de crise, Charlie lê uma redação sobre Moby Dick, clássico da literatura de Herman Melville — que confere sutil dubiedade ao título do filme. O texto de tom quase infantil obser­va a baleia do livro e seu caçador com pena e ternura. É essa também a missão de Aronofsky e Fraser: Charlie é um homem adorável, sensível e bem-humorado. Ter compaixão por seu drama é fácil — mas, infelizmente, ele não tem por si mesmo. Uma comovente reflexão sobre o ser humano e suas várias camadas.

FÓRMULA DE SUCESSO
Estrela do Oscar 2023, o estúdio A24 — que fez A Baleia — renovou o cinema indie

Ex_Machina (2014) -
Ex_Machina (2014) – (Universal Pictures/Divulgação)
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Criatividade
Com orçamentos baixos, o estúdio aposta em tramas provocativas e com pontos de vista peculiares, como a ficção científica Ex_Machina (2014), sobre inteligência artificial

A Bruxa (2015) -
A Bruxa (2015) – (A24 Films/Divulgação)

Terror pop
Com o notável A Bruxa (2015) em destaque, o terror filosófico, não raro sobre lendas folclóricas, virou o carro-chefe da empresa, que ainda lançou os ótimos Hereditário e Midsommar

Moonlight (2016) -
Moonlight (2016) – (David Bornfriend/A24 Films/Divulgação)

Crítica social
Temas pesados assustam estúdios de Hollywood, mas não a A24: Moonlight (2016), sobre um jovem negro, pobre e gay, deu o primeiro Oscar de melhor filme à produtora

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Aftersun -
Aftersun(Sarah Makharine/O2 PLAY/Divulgação)

Novos talentos
Estreantes ganham realce no catálogo da empresa, caso da diretora escocesa Charlotte Wells, de Aftersun — que pôs Paul Mescal na disputa do Oscar de ator neste ano

Publicado em VEJA de 1º de março de 2023, edição nº 2830

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