A duração da jornada escolar faz diferença no desempenho?
No Brasil, escola em tempo integral é sempre vista como um dos principais fatores de melhoria do desempenho escolar. O que as evidências mostram sobre isso?
Em mais um post da série sobre o Estudo “Para desatar os nós da educação – uma nova agenda”, vamos tentar responder a pergunta: ensino em tempo integral faz diferença no desempenho escolar?
As evidências sugerem que o tempo gasto pelo professor em tarefas de ensino tem forte correlação com o desempenho dos alunos. Portanto, a suspeita de que um maior número de horas de funcionamento da escola levaria a melhor desempenho tem fundamento, desde que esse tempo seja gasto em tarefas relevantes para o ensino. Mas, como veremos, as coisas não se passam bem assim.
O Brasil é um país que viceja na ambiguidade. A ambiguidade permite que conflitos reais se tornem aparentes com o uso hábil da linguagem. Mas também permite que problemas reais não sejam identificados ou discutidos – qualquer coisa pode significar qualquer coisa e, dessa forma, evitam-se conflitos e fica “tudo bem”. O tempo integral é um desses conceitos.
No Brasil, a palavra é usada em pelo menos quatro sentidos – e raramente os interlocutores se esforçam para esclarecer em qual sentido estão usando o termo. O sentido usual de tempo integral, quando relativo a escolas, refere-se à duração do tempo escolar: uma escola de tempo integral é aquela em que os alunos ficam um determinado número de horas por dia – tipicamente varia de 6,5 a 8 horas por dia, na maioria dos países do mundo. O conceito é usado para uma escola – a escola toda opera dessa forma, o que lhe confere determinadas características quanto ao número de aulas e às características de sua proposta pedagógica, que tipicamente oferece opções e outras atividades para os alunos.
Mas o termo é usado no Brasil em três outros sentidos. Educação integral, que é uma noção puramente conceitual, definida ao gosto do freguês. Tempo estendido para algumas turmas dentro da escola ou para alguns alunos, com maior carga horária e/ou atividades de recuperação. E tempo estendido com atividades realizadas em outros locais, com ou sem cunho acadêmico.
Neste blog, analisamos escolas que se enquadram nesse conceito “brasileiro”, ou seja, escolas onde há alunos ou turmas com tempo estendido. As figuras 23 A, 23 B e 23 C apresentam o resultado de escolas em função da duração do tempo de aulas oferecido. Os dados referem-se aos resultados da Prova Brasil em 2013, 2015 e 2017, para o ensino fundamental. Para o ensino médio, incluem o resultado de todas as escolas que participaram do ENEM entre 2012 e 2017.
A duração da jornada escolar varia de 120 a 720 minutos. O tempo é baseado na resposta das escolas ao questionário do Censo Escolar. Esse conjunto de dados inclui todas as escolas que participaram da Prova Brasil ou ENEM – não são necessariamente escolas inteiras de tempo integral.
No eixo x, encontra-se a duração média da jornada escolar por escola. O eixo y apresenta a nota líquida da Prova Brasil ou ENEM, ou seja, a nota depois de controlados os fatores para eliminar o efeito de U.F. e nível socioeconômico, por isso a nota líquida tem média zero. O desvio-padrão é o mesmo da Prova Brasil (50 pontos) e do ENEM (100 pontos).
A linha vermelha ilustra a relação estimada entre a nota e a duração da jornada escolar. Como se pode observar visualmente, maior duração da jornada não impacta nas notas, e isso vale para os três níveis de ensino.
O resultado parece contra-intuitivo. Mas, como os demais posts desta série vêm demonstrando, o problema parece estar do lado das intuições. Muitas crenças existentes sobre o que funciona em educação não encontram respaldo na realidade. No próximo post, vamos afinar mais a questão e concentrar a análise em escolas que efetivamente correspondem ao conceito usual de tempo integral: será que elas fazem diferença?