Bolsonaro: como ficará a educação no novo governo?
Ainda não se tem o nome do futuro ministro da Educação. Mas, a essa altura, deveríamos saber o que o novo governo pretende fazer nessa área tão estratégica
Interessa menos saber o nome do futuro Ministro da Educação do que conhecer a agenda que o novo governo prepara para o setor. Pouco se soube sobre isso durante a campanha, menos ainda depois. Os sinais de fumaça são poucos – o presidente teria dito que tenderá a escolher uma pessoa com perfil mais conservador e revelou seu desgosto por uma questão no último Enem. A questão da “Escola sem Partido” é um pano de fundo – há defensores mais radicais dos princípios e outros que lutam pela forma. Mas claramente há uma ideia de que é preciso corrigir o peso do pêndulo. Da área econômica pouco se ouviu – exceto uma menção a um eventual programa de creches. Do ensino superior sequer sabemos se ficará no MEC ou se irá para a C&T – embora o simples fato de levantar a questão desperte interesse, pois revela abertura para examinar alternativas. Mas tudo isso é muito pouco para um setor tão estratégico.
Em posts publicados aqui neste blog e em artigos publicados na imprensa, tenho insistido que não será razoável esperar grande atenção para o setor da educação em um primeiro momento, dada a emergência de questões nas áreas da economia e na pauta da segurança. Mas, ante à total falta de um debate mais profundo e de pistas mais esclarecedoras, resta o espaço para reflexão. Neste texto, tento colocar o que me parece factível e mais relevante para repensar a educação. E procurarei fazê-lo em ordem cronológica. O assunto é complexo, não comporta amadorismos, análises simples nem soluções mirabolantes.
O fato mais alarmante na educação pública é o financiamento – estados e municípios estão marchando para o precipício. Em grande parte, foram e continuam sendo impelidos a isso pela legislação. Por outro lado, a redução demográfica e o perfil dos professores efetivos ensejam uma janela de oportunidade para renegociar as regras, o pagamento das contas, inclusive dos inativos, e vislumbrar novos mecanismos de carreira e financiamento. Tudo isso é parte de um todo – com estratégias diferentes para negociar com estados e municípios. Sem isso, todo o resto se torna irrelevante, pois a equação financeira se tornou inviável. Falar em ampliar creches públicas dentro das regras atuais de financiamento, carreiras e gestão parece, no mínimo, temerário. Esta é uma tarefa extremamente complexa e politicamente delicada, que possivelmente precisará ter uma solução fatiada, mas que precisa ser compreendida como um todo. Soluções parciais, como a questão da previdência e das aposentadorias, por exemplo, poderão comprometer ainda mais a possibilidade de um equacionamento para o futuro.
Há algumas outras prioridades que merecem atenção imediata. Uma delas é a reforma do ensino médio: o governo vai tocá-la como está, mantendo a ilusão de que poderá trocar de pneu com o carro andando, ou vai dar uma freada de arrumação, alterando os ponto-chaves que poderiam torná-la viável e interessante? Isso implica cirurgias localizadas na lei, inúmeras supressões e intervenções um pouco mais por atacado no arcabouço regulamentar – sobre o qual o Ministério poderia ter maior poder. Se a decisão for a de tocar o barco, teremos certeza de que não haverá grandes avanços no setor.
Outra prioridade – decorrente do discurso da campanha – refere-se às delicadas questões do currículo, conteúdos e livros didáticos. A questão da alfabetização é parte disso. Aqui há várias caixas de marimbondo, e a capacidade de acertar no “timing” será essencial. Isso, por sua vez, depende da capacidade de identificar as questões centrais que estão em jogo e as melhores formas de agir. As principais correções na BNCC podem ser feitas de forma relativamente rápida – mas, de novo, requer identificação correta do alvo, pontaria e perícia. Feito isso, há um trabalho de repensar as políticas do livro didático e o que fazer com o que está aí. Essas duas ações são relacionadas – não há como mexer em uma sem a outra. E, claro, há ajustes importantes a serem feitos no sistema e nos instrumentos de avaliação.
Uma terceira prioridade refere-se aos programas em curso do MEC – com exceção do Prouni, praticamente todos são inócuos, e sua interrupção não causará nenhum dano à educação. Mas alguns, como o Fies, precisarão de um tempo para reconversão. Resta ver o que fazer com os recursos – e aí pode residir o embrião de uma nova forma de agir do governo federal.
Atacar as urgências e prioridades significa parar ações, mudar outras e inaugurar novas ações e formas de agir. Restaria, ainda, formular a agenda e, a partir dela, reestruturar o MEC: estrutura deve seguir estratégia. Se a ideia é termos menos Brasília, também é preciso ter um MEC muito mais enxuto e fazendo só as coisas que deveriam competir a um governo federal.
Aqui cabe uma breve reflexão sobre políticas e estratégias que me parecem mais urgentes para iniciar um processo de reforma educativa digna do nome.
Primeira Infância. Uma política para a área extrapola o MEC. Ela poderia ser formulada em qualquer ministério ou fora deles. Na área da educação, há dois aspetos críticos. Um deles é repensar o modelo de creches e as exigências formais e burocráticas que inviabilizam o seu financiamento e a sua qualidade. O governo e o MEC poderiam exercer um enorme papel nessa área. O outro é reformular a BNCC, cujo capítulo de educação infantil precisa ser inteiramente repensando.
Ensino médio. Se foram acertados os problemas existentes na lei e na regulamentação, caberia ao MEC estimular os estados a cuidarem das escolas de preparação acadêmica, e o setor privado, das escolas de formação técnico profissional. Aí entra o Sistema S e possivelmente deveriam sair as escolas técnicas federais – de alto custo e praticamente nenhuma contribuição para formar técnicos de nível médio. A destinação natural dessas escolas é incorporar-se ao ensino superior. Já no pacote de negociação com os estados, caberia promover o que falta da municipalização do ensino e fazer a conta fechar.
Ensino superior. Ficando ou não no MEC, esta é a área mais promissora para grandes reformas. Em relação às instituições privadas, caberia desmontar o cipoal regulatório e criar mecanismos simples de proteção ao consumidor (no caso, o aluno). Não há segredo sobre o que e como fazer com o FIES. Em relação às instituições públicas, o desafio consiste em promover a autonomia com mecanismos adequados de responsabilização e financiamento associados com incentivos à eficiência e qualidade. Há vários modelos que poderiam ser adaptados com sucesso e, devidamente articulada, a iniciativa contará com o apoio dos grupos acadêmicos mais sólidos dessas instituições.
E o que fazer com a educação básica? Aqui cabem políticas em dois tempos, e aqui reside a chave para o sucesso de uma ampla reforma educativa. Mas será preciso ousar. Pincelo aqui ideias que já desenvolvi em outros momentos.
No curto prazo, é preciso adotar estratégias adequadas ao estado de saúde do paciente. Do ponto de vista pedagógico, significa adotar estratégias de intervenção mais robustas, estruturadas e baseadas em evidências. O país conta com algumas poucas experiências de sucesso que podem servir de base. Do ponto de vista estratégico, significa adotar estratégias diferentes e igualmente não burocratizadas para estimular municípios em situações muito diferentes – em função do porte e da situação econômica.
No médio prazo, pensando no longo, mas começando desde já, caberia iniciar processos intensivos de inovação. Aí será necessário investir seletivamente, aprender no processo e incorporar a aprendizagem para avançar. Conhecer a realidade ajuda. Quase metade da população brasileira vive em pouco mais de 300 municípios. Criar incentivos adequados para reformas bem pensadas envolvendo dezenas deles provocaria impactos de curto prazo e conhecimentos que podem ser úteis para disseminar em etapas posteriores. As reformas a serem estimuladas deveriam incorporar necessariamente alguns princípios – inclusive estratégias de transição que permitam criar as bases para redes de ensino de qualidade. O Brasil não tem experiência disso, não possuímos redes de ensino de qualidade. Mas existem conhecimentos que permitem estimular o desenvolvimento desses modelos. E dentro disso é que estará a solução para criar novas e atraentes carreiras para docentes.
Esta reflexão não esgota a agenda da educação. Apenas serve de lembrete e registro de temas que precisam entrar na pauta do país e de seus próximos governantes.