Criar uma cinebiografia para Chacrinha é um trabalho árduo. A longa carreira do Velho Guerreiro, que se estendeu até os seus últimos anos de vida, e seus muitos admiradores fazem com que o roteiro tenha que seguir a trama o mais perto possível da realidade. Por outro lado, as ideias inimagináveis criadas pelo apresentador na TV (que incluíram um concurso para encontrar o cachorro com mais pulgas do Brasil e a mãe de santo Dona Cacilda de Assis fazendo trabalhos no palco) tornam a narrativa única e engraçada, sem precisar de muita invenção.
Foi amparado nestas premissas que Claudio Paiva escreveu o roteiro de Chacrinha: O Velho Guerreiro, em cartaz nos cinemas. “O Chacrinha permitiu que a gente fizesse uma cinebiografia como comédia. Minha preocupação era não fazer algo maniqueísta. Ele era impossível, não escutava ninguém, mas tinha um faro muito bom para detectar sucessos”, conta o roteirista a VEJA.
Paiva se baseou em livros biográficos e pesquisa de imagem, entre eles um especial do Globo Repórter sobre o comunicador. “A biografia já está escrita, muito bem contada, com cronologia correta, mas para um filme, isso ficaria exaustivo”, explica. “Tive que bater o martelo e decidir que o filme era uma ficção. A biografia é jornalismo” defende.
A trama se mantém, em grande parte, fiel à história de Chacrinha, mas não tem medo de fazer algumas alterações para deixar o roteiro mais interessante para o espectador. Confira o que é ficção e o que é verdade no longa:
Chegada ao Rio de Janeiro
Logo no início do filme, Chacrinha (que ainda era chamado apenas pelo seu verdadeiro nome, Abelardo Barbosa), embarca em um navio para ser baterista de uma banda que se apresenta no cruzeiro, que passaria pela Alemanha. O jovem pernambucano, que não sabia tocar o instrumento direito, se livra do posto logo na primeira apresentação, quando a II Guerra Mundial é declarada e a embarcação é obrigada e atracar no Rio de Janeiro. Chegando na capital, Abelardo decide não voltar mais para Pernambuco. Na vida real, o comunicador foi percussionista do grupo Bando Acadêmico e realmente chegou no Rio depois de ser obrigado a descer do navio por causa da guerra, em 1939, mas já estava na embarcação há quase um ano. “O Chacrinha era realmente um baterista medíocre. Um pianista desse navio queria formar um novo grupo e ele simplesmente decidiu embarcar nessa aventura”, explica Paiva.
Programa de rádio e o apelido Chacrinha
Enquanto cursava medicina em Recife, Abelardo chegou a ser locutor da Rádio Club de Pernambuco, mas foi depois de desembarcar no Rio que decidiu ser um profissional da comunicação. Foi a partir de 1943 que começou a ter visibilidade na Rádio Clube de Niterói, apresentando marchinhas de Carnaval. Como mostrado no longa, o período não foi de nenhum tipo de luxo para o apresentador. A rádio ficava no meio de uma chácara de Niterói, por isso o nome do programa: Rei Momo na Chacrinha. O Pernambucano ainda fazia a locução só de cueca, por causa do calor do estúdio, que não tinha ventilador. Com o fim do Carnaval, o programa passou a se chamar Cassino do Chacrinha, em 1944, e o apresentador ficou conhecido como Abelardo “Chacrinha” Barbosa.
O romance com Florinda
Chacrinha realmente foi casado com Florinda Barbosa até a morte, em 1988. No entanto, o filme mostra uma versão bem romântica do início do relacionamento, em que ele a vê na platéia do seu programa de rádio e os dois logo se apaixonam. “A mãe do Abelardo tinha um pensão no Rio de Janeiro. Foi em um almoço lá que ele conheceu Florinha, que era amiga da irmã do pernambucano. No filme, coloquei tudo dentro da rádio para não ter que mostrar esse outro universo”, explica Paiva. “Às vezes, vemos cenas para ilustrar situações em biografias, que não possuem nenhuma razão de existir. Os fãs do Chacrinha ou estão velhinhos ou já morreram. Tive autoridade para mudar esses fatos na trama. Você precisa de uma boa história para conquistar uma plateia nova”, diz o roteirista sobre o motivo da mudança.
“Alô, Terezinha!”
Um dos marcantes bordões de Chacrinha, o “Alô, Terezinha”, teve sua origem retratada no filme com fidelidade. A frase original usada pelo apresentador ainda nos tempos de rádio era “alô, Clarinha”, parte da publicidade feita das águas sanitárias Clarinha. O contrato com o anunciante chegou ao fim, mas a expressão já fazia sucesso entre o público e Chacrinha apenas trocou por outro nome para manter a brincadeira.
Relação difícil com a mãe, Dona Aurélia
Quem acompanhou as piadas de Chacrinha na televisão, pode não saber de uma das grandes desavenças do pernambucano: Chacrinha não perdoou o mãe, Dona Aurélia, por ter se separado do pai — ato nada comum para as mulheres da época. No filme, a carga emocional da relação fica para a cena do funeral dela, quando Abelardo se mostra arrependido por não ter reatado os laços familiares antes. Na verdade, os dois não ficaram tão distantes como na história. “Acho que o filme acabou abordando mal a história com a mãe e algumas cenas foram cortadas na edição também.”, revela Paiva. “É uma história mal explicada. Eles continuaram brigando, mas ficaram próximos. Tanto é que quando ele vem para o Rio, ela acaba vindo também. A Florinda conseguiu melhorar a relação, especialmente quando o casal teve filhos”, explica.
Censura em época de ditadura
O programa do Chacrinha na televisão era muito perseguido pela censura, que reclamava, especialmente, do tamanho das roupas usadas pelas Chacretes. Para ilustrar a situação, o filme escolhe um momento marcante vivido pelo apresentador em julho de 1980. Depois de dizer palavrões a uma censora, enquanto trabalhava na TV Bandeirantes, o pernambucano foi levado à sede da Polícia Federal no Rio de Janeiro, na rua Xavier de Toledo, onde depôs por cerca de cinco horas.