Dá para prender um criminoso antes do crime?
Na semana passada, a Polícia Federal prendeu dez brasileiros que estavam planejando um atentado terrorista durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro e tinham jurado fidelidade ao grupo terrorista Estado Islâmico (EI). Eles se comunicavam pelo WhatsApp e pelo Telegram e um deles mandou um e-mail para uma loja no Paraguai, perguntando o preço de fuzis […]
Na semana passada, a Polícia Federal prendeu dez brasileiros que estavam planejando um atentado terrorista durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro e tinham jurado fidelidade ao grupo terrorista Estado Islâmico (EI). Eles se comunicavam pelo WhatsApp e pelo Telegram e um deles mandou um e-mail para uma loja no Paraguai, perguntando o preço de fuzis AK-47.
A prisão se enquadrou na Lei Antiterrorismo, aprovada em março de 2016, que autoriza a detenção antes mesmo que o crime – no caso, o atentado – ocorra.
Não é algo alto totalmente novo. No Brasil, a criminalização dos atos preparatórios já estava descrita na legislação desde 1983. A Lei de Segurança Nacional determina no parágrafo 2, do artigo 15: “punem-se os atos preparatórios de sabotagem”.
“Nos Estados Unidos, é possível prender alguém por delito de conspiração. Na Itália, por treinar terroristas. Em Portugal, por atos de preparatórios para atentados. Esses casos, assim como a Lei de Antiterrorismo e a Lei de Segurança Nacional, são exceções dentro da teoria clássica do direito penal”, diz o advogado Fernando Castelo Branco, do Castelo Branco Advogados, em São Paulo.
Por essa teoria, chamada de iter crimines, um crime é dividido em quatro etapas.
A primeira etapa é a da cogitação, quando a pessoa apenas pensa em cometer o crime. A segunda é a dos atos preparatórios, quando o indivíduo passa à ação objetiva: compra um revólver para praticar homicídio ou aluga uma casa para servir de cativeiro. Para essas duas fases iniciais, normalmente, não há punição.
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Só há punição, tradicionalmente, a partir da terceira fase, que é o início da execução do crime propriamente dito. Caso esse não se consume por alguma circunstância alheia à vontade da pessoa, como a arma que falhou no momento do tiro, temos a modalidade tentada. Se for consumado, chega-se à quarta e última etapa do iter crimines.
As leis antiterrorismo subverteram essa lógica – de punir apenas a partir do início da execução – uma vez que não seria possível esperar que o crime ocorresse.
Nos Estados Unidos, há também o que se chama de “flagrante preparado” (sting operation, em inglês). Nessa modalidade, a pessoa é detida durante a preparação de um crime, com a diferença de que tudo é uma encenação. “Isso é comum em casos de pedofilia, em que o policial se passa por uma criança em salas de bate-papo na internet, e em casos de narcotráfico, quando o agente simula ser um usuário interessado em comprar drogas de um traficante”, diz a advogada Fernanda de Almeida Carneiro, também do Castelo Branco Advogados.
Na internet, integrantes do FBI, a polícia federal americana, falam com jihadistas do Estado Islâmico e planejam com eles ataques terroristas para depois prendê-los. Segundo o The New York Times, duas de cada três condenações contra terroristas islâmicos do EI são feitas por flagrantes preparados.
Os sobrinhos do presidente venezuelano Nicolás Maduro caíram em uma armadilha assim, ao negociar com um integrante da agência de drogas dos Estados Unidos DEA, (Drug Enforcement Administration) o envio de um carregamento de 800 quilos de cocaína.
Esse tipo de coisa não acontece no Brasil porque uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) impede prisões por flagrante preparado.
Por fim, em Cuba também há casos de pessoas presas antes de cometerem crimes. É o que na lei local se chama de periculosidade pré-delitiva. Lá, qualquer um pode ser preso sem a menor evidência, apenas porque alguém do governo sugeriu que estaria maquinando algo. Na ilha dos irmãos Castro, todo mundo é culpado até que se prove o contrário.