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Um tiro na obra

Jair Bolsonaro foi obrigado a demitir o então chefe da área cultural que de início havia decidido proteger

Por Dora Kramer Atualizado em 30 jul 2020, 19h12 - Publicado em 24 jan 2020, 06h00

Se o presidente da República não percebeu, convém que bons amigos o ajudem a compreender o sentido da inédita reação de repúdio ao vídeo de inspiração nazista de Roberto Alvim. Jair Bolsonaro foi obrigado a demitir o então chefe da área cultural que de início havia decidido proteger.

Atuou premido pela urgência da redução de danos e conseguiu de fato reduzi-los, mas não eliminou os prejuízos espetados na conta da sua administração. O protesto foi contra um modo de governar que, sendo decorrente da alma do chefe, dificilmente vai se alterar.

A natureza e a dimensão das manifestações foram desproporcionais à importância do cargo e à figura do defenestrado. Um mero secretário, e, sobretudo, amalucado, não provocaria nem justificaria a magnitude dos protestos, cujo alvo verdadeiro era, e é, o governo no geral, o presidente em particular.

Bolsonaro teve (e conceitualmente tem, conviria estar antenado para tal) contra si os presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal, o chefe da Procuradoria-Geral da República, entidades civis representativas, associações religiosas, representações diplomáticas, a unanimidade dos auxiliares convidados a opinar, além, no episódio, da maioria dos seguidores nas tão valorizadas redes sociais.

É evidente que a passagem do tempo e a esperta indicação de Regina Duarte para a pasta da Cultura tendem a amenizar os efeitos. Mas o tiro de canhão no conjunto da obra foi dado não tanto na forma das manifestações sociais, mas principalmente no conteúdo do veemente recado dado pela institucionalidade de alta patente. Isso nunca tinha sido visto, principalmente em primeiro ano de governo.

Bolsonaro gosta de testar limites. Faz isso diariamente e, à falta de atributos para afazeres mais consistentes, parece divertir-se em despertar repulsa. Muito se cobrou dele no início prudência no trato dos divergentes e tolerância na lida com os diferentes, mas em pouco tempo se viu que o presidente não está minimamente interessado em dirimir conflitos. Ao contrário, dá sinal de que considera que seu êxito será maior quanto mais consiga alimentá-los.

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Tenta, com isso, consolidar um perfil de pessoa destemida. Superficialmente até obtém algum sucesso, desde que não se lhe examine mais detidamente o comportamento. Bolsonaro não é ousado, é imprudente. Tampouco pode ser tido como corajoso. É covarde. A mais eloquente demonstração dessa covardia é o espetáculo diário encenado sob a sombra da mangueira à porta do Palácio da Alvorada.

A reação em uníssono da República não foi a um secretário, mas a um conceito de governo

Escolheu essa maneira de se comunicar via imprensa ao desistir dos encontros semanais com jornalistas no Palácio do Planalto. Havia ali o contraditório, algo que desconforta sobremaneira governantes desprovidos de bom conteúdo, agilidade verbal, capacidade de formulação mental, habilidade argumentativa, foco, paciência, boa educação, raciocínio lógico e compromisso, se não com a verdade, ao menos com a realidade.

Pois bem, Jair Bolsonaro resolveu exibir-se para um cercadinho de admiradores que babam de êxtase ao vê-lo distribuir ofensas pessoais e profissionais aos jornalistas. A covardia apresenta-se majestosa na consciência presidencial de que à imprensa não é dada a prerrogativa de ignorar atividades do chefe da nação, ainda que burlescas.

Bolsonaro sabe também quanto estamos impedidos pelo rigor da civilidade de reagir no mesmo tom. A plateia acha natural o presidente mandar uma pessoa calar a boca, chamar todo mundo de produto de esgoto e ainda pôr a genitora no meio. Seria, no entanto, visto como indesculpável desrespeito ao país se um colega mais invocado rebatesse dizendo que o governo “é um lixo”, perguntando se o presidente em tal ou qual resposta estava “falando da mãe” e ainda notasse em suas feições “uma cara de homossexual terrível”.

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Pois é, não podemos responder, até porque não vale a pena. Talvez valesse ficar só assistindo, sem fazer perguntas, para ver quanto tempo ele aguentaria sem o uso dos repórteres como escada para sua exibição diária de grosserias que não dizem respeito às relações dele com jornalistas, mas à forma como o presidente se comunica com a República.

E a República aproveitou a deixa de Alvim para informar em uníssono à Sua Excelência sobre a existência de uma fronteira cuja ultrapassagem tem o efeito da gota que transborda o copo d’água e põe a derrocada num caminho sem volta. De teste em teste, e nesse ritmo, nos próximos três anos Bolsonaro acaba chegando lá.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671

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