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Dora Kramer

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Esconderijos

Flagrante da cueca revela mazelas para além do dinheiro oculto

Por Dora Kramer Atualizado em 4 jun 2024, 14h45 - Publicado em 23 out 2020, 06h00

O episódio tragicômico do senador ora afastado oculta — e ao mesmo tempo revela — muito mais que dinheiro em camadas subjacentes às bermudas. De imediato nos relembra casos que por isso já viraram hábito, de esconder cédulas de origem imprecisa em locais inusitados: cuecas, calcinhas, meias, apartamentos usados como cofres e até contabilidade de lojas de chocolate.

Em seguida entraram em cena outras mazelas incrustadas nas piores práticas da política, feito mariscos nas pedras. Deve haver mais, mas cito três: o gosto parlamentar por acertos meia bomba à meia-luz, o menosprezo ao discernimento alheio e o método de ocupação da suplência dos senadores.

Escolho me ater ao último item, até por ter ficado em segundo plano nas análises que acertadamente deram destaque às espertezas do presidente do Senado. Empenhado em não desagradar a ninguém a fim de obter uma reeleição ilegal, Davi Alcolumbre costurou o acerto que permitiu ao colega Chico Rodrigues se licenciar por 121 dias.

Assim, livrou a Casa de tomar uma decisão, no aguardo de que daqui a quatro meses o caso tenha sido relegado à categoria de “notícia velha”, e ainda postergou a volta do Conselho de Ética, onde há, entre mais de vinte processos em aberto, um envolvendo o senador Flávio Bolsonaro.

Suplente biônico distorce sistema representativo, desrespeita o eleitor e perpetua chaga da política

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Licenças de 120 dias dão ao suplente a prerrogativa de assumir a vaga do titular. São dois os substitutos, sendo o primeiro da fila, Pedro Rodrigues, filho de Francisco. O segundo, Onésimo de Souza Cruz Netto. Ambos sem-votos, pois beneficiados pela Constituição, que desobriga suplentes de serem submetidos a escrutínio (do partido ou do eleitor) que não a escolha pessoal do cabeça de chapa.

Já houve ocasião em que cerca de 25% (23% para ser exata) das cadeiras do Senado eram ocupadas por pessoas sem voto, uma evidente distorção no sistema representativo. Além disso, o método se presta a exorbitâncias, tais como a ocupação das suplências por parentes, cônjuges, amigos milionários financiadores de campanhas, funcionários de gabinetes. Já houve de (quase) tudo, inclusive a posse do pedreiro que prestara serviços ao senador que veio a falecer.

São comuns os arranjos entre titulares e suplentes para uma alternância no exercício do mandato. Desse modo não é difícil chegar ao Senado, um paraíso nas palavras de Darcy Ribeiro, “pois não é preciso morrer”. O filho de Francisco, por exemplo, herdará salário de 33 700 reais, cota extra de 40 700 reais, imóvel funcional, auxílio-mudança e serviço médico de primeira.

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Nem sempre foi assim. Antes da atual Constituição, em 1983, Fernando Henrique Cardoso assumiu a vaga de Franco Montoro, então eleito governador de São Paulo. FH havia concorrido com Montoro na sublegenda do MDB em 1978 e obtido 1 272 416 votos, o segundo mais votado.

Poderia voltar a ser assim, não faltaram tentativas. Frustradas, porque a maioria das excelências prefere que continue sendo assim.

Publicado em VEJA de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710

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