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Dora Kramer

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A celebrada nova fase do Parlamento era de vidro e se quebrou

Congressistas voltam à velha prática de legislar em causa própria

Por Dora Kramer Atualizado em 4 jun 2024, 15h37 - Publicado em 27 set 2019, 06h55

A desmoralização do Congresso Nacional foi fruto de um trabalho árduo de suas excelências por décadas a fio de submissão aos mandos do Palácio do Planalto e de obediência militante aos desmandos cometidos em causa própria. Uma obra assim não se desfaz num repente. Tanto é que as pesquisas recentes não apontam melhoria na imagem do Parlamento, a despeito da mudança de comportamento no início da atual legislatura.

Sábia, a opinião pública preferiu aguardar o caminhar da carruagem antes de acreditar numa efetiva correção de rumos. O que parecia uma nova fase revelou-se como mera encenação, encerrada assim que a Câmara aprovou a reforma da Previdência, passando a bola ao referendo do Senado. Pelo visto, com o intuito de dar por enterrado o ativismo congressual em prol de uma agenda voltada para a sociedade, de curta duração.

Já no início do segundo semestre, o Parlamento retomou a velha prática de se ocupar primordialmente dos interesses internos, e o fez com uma sede dos desertos. Em dois meses, os congressistas aprovaram uma lei que, a pretexto de coibir abusos por parte de autoridades, pretende inibir a ação dos que têm como função justamente atuar contra condutas abusivas à lei, coisa que no auge do prestígio da Operação Lava-Jato não conseguiram.

Eles voltaram ao antigo hábito de usar de suas prerrogativas para mandar “recados” aos outros dois poderes, retaliá-los quando contrariados e exigir contrapartidas do Executivo e do Judiciário. No primeiro caso, a liberação de emendas ao Orçamento em troca de votos: o Senado pede 5 bilhões de reais e a Câmara, 3 bilhões. No segundo, a reação contra o Supremo Tribunal Federal por causa de uma ordem de busca e apreensão no gabinete do senador Fernando Bezerra autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, em nome da qual foi adiada a votação da reforma da Previdência, pois os senadores consideraram prioritária sua pauta corporativista.

Ainda no rumo do retrocesso, suas majestades aprovaram alterações na legislação eleitoral que, entre outros disparates, praticamente revogam a lei da Ficha Limpa ao permitir registros de candidaturas sem o crivo de legalidade imposto pelo Tribunal Superior Eleitoral. De passagem, deputados e senadores reivindicam que o caixa público coloque à disposição das campanhas quase 5 bilhões de reais, montante equivalente à soma do dinheiro do fundo partidário (mais de 950 milhões de reais) aos 3,7 bilhões pretendidos para o fundo eleitoral.

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Tudo isso com o beneplácito de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia. Agora despidos do figurino de estadistas, parecem mesmo empenhados em cultivar o eleitorado, uma vez que a partir do próximo ano tratarão abertamente de um tema já articulado nos bastidores e do interesse de ambos: a reeleição para a presidência do Senado e a da Câmara.

Pela Constituição, nenhum dos dois pode se candidatar, pois é vedada a recondução aos cargos dentro de um mesmo mandato. E é na tentativa de amealhar apoios para a aprovação de uma emenda liderando a reeleição que se revela quanto o uso excessivo do cachimbo deixa as bocas tortas.

Publicado em VEJA de 2 de outubro de 2019, edição nº 2654

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