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Dias Lopes

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O pão da vida

O alimento mais simbólico da civilização ocidental poderia ter maior relevância na comemoração da Páscoa cristã

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 26 mar 2018, 19h50 - Publicado em 26 mar 2018, 19h27

Quando pensamos em um pão para a mesa da Páscoa cristã, que cairá no próximo domingo, lembramos da doce e suave colomba. Diferencia-se  do panettone, típico do Natal, inclusive pelo formato, que é de pomba. Sua receita tem fundas raízes históricas. Segundo a tradição, surgiu entre os anos de 560 e 572, durante o reinado de Alboíno, quando os lombardos colocaram um fim às suas migrações e se fixaram na Itália setentrional. Um padeiro da comuna de Pavia teria inventado a colomba (pomba) e oferecido ao rei Alboíno, com votos de paz em um período de guerras.

Entretanto, pelos seus significados transcendentes, o pão poderia ter maior relevância na Páscoa cristã, quando se comemora a Ressurreição de Jesus, três dias depois da sua crucificação. “Eu sou o pão da vida”, afirmou Jesus Cristo no Evangelho Segundo São João. (6,35). ”Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e o que crê em mim nunca mais terá sede”. Ele declarou isso depois do milagre da multiplicação dos pães. Na mesma ocasião, diante da multidão que não entendera suas palavras, apresentou-se como o pão descido dos céus, para ser aceito por meio da fé.

Na pregação, Jesus Cristo enfatizou a importância do alimento mais simbólico da civilização ocidental, com a mesma representatividade do arroz para a cultura oriental. Sinônimo de comida que dá prazer, sacia a fome e sustenta as criaturas, o pão sempre foi protagonista das grandes celebrações, desde o paganismo, embora tenha se transformado com o tempo.

Antigamente, não levava apenas farinha de trigo,  porém incorporava os grãos esmagados de outros cereais, como centeio e cevada, conforme a atividade agrícola da região. Alguns milênios antes de Jesus Cristo, consistia em uma massa de cereal grosseiramente triturado. Assava em uma grelha ou sobre uma pedra ardente. Só mais tarde foi colocado no forno.

O pão que saboreamos atualmente surgiu com a descoberta da levedação, atribuída aos egípcios e ocorrida 6 000 anos atrás. Mesmo assim, era de preparo complicado. A farinha não apresentava qualidade e a levedação ocorria lentamente ou era incompleta. Até o trigo oferecia problemas. Próximo dos seus parentes selvagens, como o farro, era do tipo chamado de “grano duro”, hoje apreciado para fazer spaghetti, mas que fornece uma farinha grosseira e pouco indicada à panificação.

A dificuldade só melhorou com a introdução do “grano tenero”, originário da Ásia Sul-Ocidental, uma das primeiras plantas cultivadas extensivamente pelos povos sedentários. Foi semeado em larga escala pelos gauleses, por exemplo, que habitaram o território correspondente às atuais França, Bélgica e Itália setentrional, provavelmente a partir da Primeira Idade do Ferro, cerca de 800 a.C.

De lá para cá, a humanidade desenvolveu sucessivas receitas de pão. Só em São Paulo existem agora mais de três dezenas. Eis os principais tipos de pão encontrados na cidade: alemão, alentejano, árabe, australiano, de aveia, ázimo, baguette, de batata, bisnaguinha, broa, de centeio, colomba pascal, croissant, filão, francês, de fôrma, integral, italiano, de leite, de mel, multigrãos, de milho, de minuto, panettone, português, preto, de queijo, de semolina, sovado, stollen e sueco. Uma das receitas de sucesso que aportaram no Brasil foi a da ciabatta. Pela sua curiosidade e juventude merece comentário à parte, representando no caso as demais variedades de pão.

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Para começar, tem nome de calçado. A palavra ciabatta designa originalmente a chinela ou pantufa, com uma tira em cima do pé, sem envolver o calcanhar, usada em casa pelas nossas avós. O pão lembra a forma retangular e achatada daquele sapato. Conquista as pessoas pela casca dourada e crocante, o miolo aerado e macio, cheio de orifícios irregulares, o aroma de farinha fresca. São características atribuídas à ciabatta por ser feita com uma massa bastante hidratada e demoradamente fermentada .

Certas fontes afirmam que surgiu acidentalmente, em remoto passado, por descuido de um padeiro. Ele teria adicionado água em excesso na farinha e a massa ficou mole demais. Não quis jogá-la fora e acabou assando para ver o resultado. Deu no que deu. Mas os historiadores modernos da panificação acreditam que a ciabatta foi criada em 1982 pelo padeiro italiano Arnaldo Cavallari (1932-2016), na comuna italiana de Adria, província de Rovigo, região do Vêneto. Na época, ele era mais conhecido por uma proeza paralela. Tinha sido cinco vezes campeão italiano de rally, em 1962, 63, 64, 68 e 71.

Cavallari assegurou que desenvolveu a receita inspirado em um pão antigo da província de Como, na região da Lombardia, contando com a consultoria do professor francês Raymond Calvel, autor do livro Le Goût du Pain (Jérôme Villette, Paris, 1997), autoridade mundial em panificação. Orientado pelo mestre, aumentou a hidratação da massa tradicional e surgiu a achatada ciabatta.

A receita se espalhou rapidamente pelo mundo afora, com a ajuda de Cavallari. Ele a divulgou pessoalmente, visitando 56 países, inclusive o Brasil, onde uma das primeiras padarias a prepará-la, em 1994, foi a veterana Basilicata, da rua Treze de Maio, 596, no bairro da Bela Vista, em São Paulo.

O pai do pão sugeriu comermos ciabatta em todas as ocasiões: no café, no lanche ou em sanduíches (o de pesunto cru com queijo brie, rúcula e um fio de azeite é irrecusável) e às refeições, incluindo festas como a Páscoa e o Natal. Por último, reforçou seu caráter celestial. “Pão não se come sozinho, divide-se”, disse Cavallari. “Isso é bíblico”.

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CIABATTA

Por Luiz Américo Camargo, autor do livro “Pão Nosso” (Ed. Panelinha/Senac, São Paulo, 2013)

Fazer este pão é como tocar violão. Muita gente arranha, engana, toca mal. Pouquíssimos executam bem. No Brasil, muitas padarias fazem assim: assam um pão qualquer, genérico, de farinha branca, pesadão. Achatam, enchem de farinha por cima e chamam de ciabatta.

A receita surgiu num momento em que os padeiros italianos andavam incomodados com o panorama em seu mercado. O público comprava baguette ao estilo francês, pão de fôrma industrial ao estilo anglo-americano… e não estava dando bola para as especialidades locais, o que soava como uma insolência. A famosa receita, então, foi fruto de uma inquietação, de uma busca de reafirmação da panetteria.

Em meu livro “Pão Nosso”, proponho uma versão simples e caseira da ciabatta. Vale lembrar que a receita, desde seu desenvolvimento, com Cavallari, acabou ganhando várias interpretações: com um pouco de azeite, com massas pré-fermentadas diferentes (biga ou poolish), com fermento natural…

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A variante abaixo é um desdobramento daquela que está no livro. Usa poolish (fermentação mais líquida), que é um pouco mais rápida (ainda que leve algumas horas).

RECEITA

Rende 2 pães

 

Para a poolish

Ingredientes

. 80 g de farinha de trigo

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. 80 ml de água

. 1 g de fermento biológico seco instantâneo

 

Preparo

. Junte a água e o fermento numa tigela grande, mexa bem, acrescente a farinha. Misture, cubra  com um plástico, espere em torno de 4 horas.

 

Para a ciabatta

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Ingredientes

. 400 g de farinha de trigo

. 320 ml de água

. 2 g de fermento biológico seco instantâneo

. 8 g de sal

A poolish (161 g)

Modo de preparo

  1. Na tigela onde está a poolish, junte a água, o fermento, a farinha, depois o sal. Agregue tudo muito bem.
  2. Use uma espátula tipo pão-duro para mexer, pois a massa é bem pegajosa (claro que, se quiser, pode usar as mãos, ou a batedeira, em velocidade baixa). Pegue a massa por baixo, vire-a, trabalhe-a, até que fique lisa e com uma aparência homogênea. Pelo menos por cinco minutos. Quando estiver tudo bem incorporado, passe a massa para um pote grande (tupperware), com tampa e untado com azeite. Ao todo, ela vai descansar por duas horas (mas com dobras, em dois momentos).
  3. Depois de 30 minutos, com o pão-duro ou com as mãos levemente untadas com azeite, faça quatro dobras na massa, de fora para dentro. Feche o pote.
  4. Passados 30 minutos, faça mais quatro dobras. Feche o pote de novo e agora aguarde 1 hora. A massa vai crescer, quase dobrando de tamanho em relação ao volume original.
  5. Observe a massa, depois do descanso. Ela deve ficar bem maior e estar brilhante, com uma textura sedosa. Jogue bastante farinha sobre uma mesa ou bancada, e despeje todo o conteúdo do pote sobre a farinha. Deixe que ela se espalhe. Jogue mais farinha por cima (bastante, não apenas uma camadinha fina, pois faz parte do estilo do pão), aplaine-a, suavemente.  Distribua-a, para que fique quase como um retângulo.
  6. Com uma espátula de corte, ou faca bem afiada, corte a massa em duas partes iguais, no sentido do comprimento. Modele a primeira metade, o que significa dar aquele formato típico da ciabatta, longo, achatado, rusticamente cortado.
  7. Com cuidado, transfira as duas peças de massa para uma assadeira grande antiaderente (se não for, precisa estar bem enfarinhada). Cubra-as com plástico (sem apertar), para não ressecar, e deixe descansar por mais 1 hora.
  8. Ligue o forno e preaqueça a 240 graus (temperatura alta) quando faltar meia hora para terminar o tempo da segunda fermentação.
  9. Depois de 30 minutos, coloque a fôrma dentro do forno preaquecido. Simule vapor, no momento de introduzir a assadeira, com um vaporizador de jardinagem (borrife bastante, espalhando a nuvem de água pelo interior do forno e deixando cair sobre o pão; outra alternativa: deixar uma assadeira vazia aquecer junto com o forno, na grade mais baixa, e jogar um copo de água nessa assadeira quente, para produzir “uma nuvem” no momento de colocar o pão).
  10. Deixe assar por 35 minutos, ou até que os pães ganhem um belo tom dourado.
  11. Retire do forno, deixe numa grade, para que o pão esfrie.

 

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