Voluntária enfrenta negacionismo de conhecidos: ‘precisamos de soldados’
Bruna Paranhos saberá dentro de 48 horas se tomou a vacina verdadeira ou um placebo. Na igreja e na família, viu exemplos antivacina
16 de março, 10h18: O ano de 2020 foi sombrio para Bruna Paranhos, de 35 anos. Crises de ansiedade, choro compulsivo, tremores noturnos. O tio sucumbiu à malária, a tia e uma prima enfrentaram a Covid-19, amigos não sobreviveram à doença, fiéis da igreja que frequenta desdenharam das vacinas. Até entre seus familiares houve que visse com desconfiança a importância da imunização em massa. “Toda grande batalha precisa de soldados e é uma honra fazer parte da ciência de alguma maneira”, escreveu ela no final de novembro passado, após ter sido acolhida como voluntária da Janssen em busca de uma vacina contra o novo coronavírus.
Ao tomar a dose experimental por cima da cicatriz provocada pela BCG ministrada na infância, Bruna acreditava que poderia ser, em seu universo particular, um antídoto contra o negacionismo. Na manhã desta terça-feira, 48 horas antes de saber se recebeu a dose verdadeira ou um placebo, Bruna contou ao blog as aflições, medos e esperanças de ser voluntária da Janssen. “Fui uma pessoa totalmente desesperançosa em 2020. Só sabia chorar, xingar o governo e rezar”, disse ela, hoje em isolamento social em um sítio no interior de São Paulo.
“Comecei a ter esperança quando a Janssen entrou com o pedido na FDA e foi aceito. Comecei a enxergar uma luzinha no fim do túnel”, diz. O braço farmacêutico da Johnson & Johnson conseguiu autorização para uso emergencial da vacina anti-Covid nos Estados Unidos no dia 27 de fevereiro; na agência europeia de medicamentos, há cinco dias; na Organização Mundial da Saúde (OMS) na sexta-feira passada. “Costumo dizer que carrego um saco de arroz de 5 kg desde 15 de março de 2020, quando iniciei minha quarentena. Um quilo e meio vai ser tirado na quinta-feira. O restante dos quilos vai sair quando meu pai e minha mãe se vacinarem”, afirma.
Ao ser voluntária contra a opinião de parentes e colegas de culto que renegam a vacina, ela diz que “de alguma maneira queria que as pessoas entendessem a importância de voluntários irem praticamente para a linha de frente para participar de uma pesquisa para salvar as outras”. “Dentro da igreja várias pessoas não acreditam na vacina, mas meus pastores me apoiaram. Quero falar para esses descrentes: ‘abre o olho, gente, tem que tomar a vacina’”, relata. Ela já tinha tentado ser voluntária na pesquisa científica de Oxford, que restringiu os pacientes a profissionais da área de saúde, e agora faz planos para se inscrever em ensaios clínicos de desenvolvimento de futuros medicamentos. Tem uma dor crônica no ombro e acha que mais uma vez a ciência pode ajudar.
Na manhã desta segunda-feira Bruna recebeu uma mensagem da clínica de São Paulo que a tem como voluntária da vacina. Era chegado o momento de agendar o horário em que terá seus dados confidenciais abertos e saberá se, naquele dia 25 de novembro, recebeu a dose verdadeira ou uma ampola com soro fisiológico. “Eu acordei com a mensagem. Chorei muito, agradeci a Deus, chorei horrores de novo e fui contar para os meus pais, que ficaram emocionados. É aquela coisa de ter esperança, né? Voltei a ter esperança ontem”, relata ela.
À distância, sem nos conhecermos, meus olhos se enchem de lágrimas. Compartilhamos, eu e ela, as duas voluntárias, um dano colateral em comum: o esgotamento emocional na pandemia.