Desolação pelas milhares de vítimas precede o que deveria ser só alegria
Na reta final como participante dos testes em prol da vacina, meu absoluto respeito por todos os voluntários com que caminhei ao longo desses últimos meses
18 de março, 13h34: Foram 121 dias entre aquela terça-feira, 17 de novembro, quando cheguei ao centro do Rio de Janeiro para me submeter a uma pesquisa clínica em busca de uma vacina anti-Covid e o ensolarado dia de hoje, em que fui convocada para saber se estou imunizada. Ainda nesta tarde serei informada se fui uma das 76 pessoas que receberam doses verdadeiras produzidas pelo laboratório belga Janssen-Cilag no Instituto Brasil de Pesquisa Clínica (IBPClin) ou se, a exemplo de tantos outros, tudo não passou de placebo.
A abertura da cláusula de duplo-cego, situação em que nem o paciente nem o médico sabe se foi aplicada uma dose real de vacina, chega no momento em que estou emocionalmente em frangalhos pela hecatombe vivida pelo Brasil. Nunca estive tão deprimida, inconsolável, sem antever quando poderemos viver dias melhores. Na noite que antecedeu a revelação de meus dados no ensaio clínico não houve comemoração. Tive uma crise de choro pela constatação, cada vez mais persistente, de que a doença se alastra descontroladamente tal como uma praga medieval. Também escrevi mensagens de condolências àqueles que tiveram parentes ceifados pela Covid-19 e acalmei familiares e amigos que, muito mais ansiosos que eu, pediam informações atualizadas sobre meu potencial status de vacinada.
Sentada no aeroporto do Rio, de onde escrevo o penúltimo capítulo do Diário da Vacina, um nó na garganta persiste em não deixar que me sinta feliz (ou abençoada, diriam os religiosos) nos instantes que precedem minha ida à clínica. Se tiver recebido um placebo, terei a vacina verdadeira imediatamente, ainda na tarde de hoje. Outras centenas de milhares de brasileiros não tiveram essa oportunidade. Outros tantos sabe-se lá quando a terão. Por isso, contra minha própria expectativa como voluntária – sempre achei que o dia seria de euforia e comemoração plena –, chego ao momento mais aguardado da pesquisa clínica em completa desolação. Muitos não cruzaram a linha de chegada.
A jornada como participante de uma das mais importantes pesquisas científicas da atualidade revelou-se uma estrada esburacada repleta de emoções, medos, cobranças e parcerias entre desconhecidos. Faltando pouco mais de uma hora para o ponto alto de minha participação como repositória de testes em prol da vacina, também não consigo deixar de me emocionar com os 13 voluntários da Janssen que haviam recebido placebo e morreram ao longo na pesquisa clínica por fatores diversos não relacionados à vacina e com os outros três que, vacinados, também não estão mais aqui. Meu absoluto respeito por, em um universo de 45.000 pessoas em todo o mundo, termos caminhados juntos.
Com olhos marejados, é hora de me dirigir à clínica para saber: foi vacina ou placebo?