Sem general ou professora: projeto quer coibir candidato com cargo no nome
Mais de 1.200 candidatos buscam votos por sua atuação como docentes em 2018; militares também procuram sucesso eleitoral com suas patentes
Mesmo sem exercer posição no Exército, uma vez que passou para reserva, Antonio Hamilton Martins Mourão (PRTB) não abriu mão de se apresentar na urna eletrônica como “General Mourão” na chapa em que é vice do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), também militar. Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, a candidata a governadora pelo PSOL e docente da Universidade de São Paulo Lisete Regina Gomes Arelaro preferiu identificar-se apenas como “Professora Lisete”.
Hoje, a prática é permitida por lei, que admite a categoria “nome de urna” para que candidatos sejam identificados e votados da forma como são mais conhecidos pelos seus eleitores, mesmo que esta seja diferente do que o que consta no documento de identidade. Um dos exemplos mais emblemáticos é o de Francisco Everardo Oliveira Silva (PR), um dos deputados mais votados do país nas eleições de 2010 e 2014. Se tivesse concorrido como “Francisco Silva”, o parlamentar – mais conhecido como o palhaço Tiririca – talvez não tivesse recebido sequer um décimo do mais de um milhão de votos que recebeu no último pleito.
Apresentado por dois correligionários da Professora Lisete, o projeto de lei 6648/2016, de autoria de Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Luiza Erundina (PSOL-SP), pretende proibir “a utilização de expressões que designem hierarquia, cargos ou funções militares, religiosas, acadêmicas ou profissionais”. No mês passado, outro integrante do PSOL, Chico Alencar (RJ), encaminhou relatório favorável e o projeto foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara, mais ainda precisa ser aprovado pelo plenário da casa e pelo Senado e ser sancionado pelo presidente da República.
“A rigor, trata-se de meros expedientes eleitorais, consistentes na fixação de ‘marcas’, ‘rótulos’ ou ‘patentes’ para atrair o voto, principalmente dos mais humildes, aproveitando-se, em muitos casos, do prestígio das associações ou corporações a que pertencem, em detrimento, insistimos, das ideias, das propostas e da ideologia”, escreveram Jean e Erundina.
Difícil prever o impacto dessa mudança, se aprovada, na prática, uma vez que a atual legislação já diz que a Justiça Eleitoral deve cuidar para que o nome de urna “não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente”, o que claramente não tem acontecido, uma vez que os candidatos a deputado estadual “Bolinho de Fubá” (Avante-SP), “Só na Bença” (MDB-RO) e “Cachorrão” (PTB-AC), entre dezenas de outros, foram autorizados a concorrer com essas identificações no mínimo exóticas.
Em 2018
Segundo dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de 1.230 candidatos (pouco mais de 4% do total) que participam das eleições deste ano se identificam, por exemplo, como professor, entre diversas variações usadas na urna eletrônica “Professor”, “Professora”, “Prof.” e outros semelhantes.
Ainda dentro das categorias especificadas no projeto de Erundina e Jean, outra boa parcela recorre às identificações religiosas e militares. São em torno de 379 pastores, entre “Pastor” e “Pr.”, trinta padres, oito generais (da reserva), 63 tenentes, 190 sargentos e 95 cabos.
Dessa última categoria, o mais famoso também está na disputa nacional, assim como Mourão: Cabo Daciolo, deputado federal e candidato a presidente pelo partido Patriota. Na seara dos vices, também existem dois autodeclarados docentes: a “Professora Suelene Balduíno” (Patriota), vice de Daciolo, e o “Professor Christian”, que está na chapa de João Amoêdo (Novo).
Mudanças
Levantamento de VEJA a partir de dados do InteliGov, plataforma de inteligência em relações governamentais, mostra que existem 598 propostas de mudança na Lei 9.504/1997, a Lei das Eleições, em tramitação atualmente na Câmara e no Senado.
Destas, quinze foram apresentadas já em 2018, quando não havia mais prazo para que valessem já no pleito deste ano. Os projetos têm as mais diversas finalidades. O primeiro do ano, da senadora Lídice da Mata (PSB-BA), propunha estabelecer uma responsabilidade pessoal do candidato pela retirada de propagandas eleitorais, como cartazes e placas, em até trinta dias após a eleição.
Já o mais recente, da deputada Clarissa Garotinho (Pros-RJ), propõe que um candidato só possa utilizar valores arrecadados por meio de financiamento coletivo se ele registrar candidatura para um determinado cargo prometido. Exemplo: se pusesse no ar um site de arrecadação pedindo verba para a sua reeleição à Câmara, Clarissa não poderia mudar de ideia, disputar o Senado e usar o mesmo dinheiro.