O que o filme ‘A Substância’ continuará a ensinar sobre o envelhecimento
História cuja protagonista concorreu ao Oscar reflete aspirações desenfreadas pela fonte da juventude na vida real

Assistir à brilhante atuação da atriz sexagenária Demi Moore no filme A substância me faz lembrar não só do meu dia a dia como médico, mas também como um observador do cotidiano.
Envelhecer é uma dádiva. Quantos amigos, parentes e desconhecidos nos deixaram precocemente por doenças, acidentes, violência e guerras? Mas nós continuamos por aqui! Vivendo…
No enredo desse filme, (contém spoiler) uma mulher que vivia o glamour e o dinheiro de um programa de TV, envelhece e é substituída por uma muito mais nova.
Mas lhe oferecem uma substância que poderá trazer a sua juventude de volta, ainda que ela não saiba o alto preço que terá que pagar.
Aos que estão em plena lucidez, por que não achariam que esse envelhecimento chegaria? E o que há de errado nisso? É simplesmente a história natural da vida.
No filme, a fixação da personagem em ser jovem e bonita a faz esquecer de si mesma e, apesar da degradação que o processo leva ao seu corpo e mente originais, ela aceita esse destino a qualquer custo. Uma história parecida com muitas da vida real.
Todos sabemos que o tempo mudará os nossos corpos e envelhecer é a nossa melhor opção. É obvio que devemos prezar por saúde e nos dedicar a ter uma vida com qualidade até o fim.
Mas não precisamos viver o extremismo, o glamour e o ego exagerados. Precisamos de um equilíbrio para viver. O que infelizmente não é notado em shoppings, academias ou praias, onde senhoras e senhores exibem corpos não condizentes com a idade fisiológica.
Mães, pais e avós mais musculosos que seus filhos e netos. O discurso de todos é sempre igual: a boa alimentação e atividades físicas vigorosas. Me parece mais um milagre metabólico, porque sabemos bem que não é só isso.
O uso abusivo de substâncias como anabolizantes, hormônios de crescimento, hormônios masculinos e femininos têm sido alardeado e indicado por uma grande leva de profissionais de saúde que, em algum momento, se perderam no cuidado com o paciente para visar ao lucro.
Momentaneamente, o resultado estético dessas misturas leva os usuários a crer que existe de fato a fonte de juventude e ninguém os convencerá do contrário, pois artigos muito bem montados e profissionais e empresas apresentando o caminho do milagre se mostram atraentes e persuasivos.
Enquanto o exterior parece cada vez mais saudável, vasos do coração e do cérebro entopem, corações dilatam, neurônios são consumidos e células cancerosas surgem. É a beleza momentânea mascarando os efeitos de drogas que só irão se manifestar quando o paciente não tiver outra opção ao não ser parar e deixar o corpo real voltar.
Não fomos feitos para maratonas e musculação excessiva aos 50, abdômens em “tanque” aos 60, pele lisa e perfeita aos 70. Somos seres finitos. Independentemente da imagem ao espelho nos refletir um jovem, nossos tendões, músculos, órgãos, vasos e ossos envelhecem com o nosso corpo. Portanto, aproveitem e cuidem bem deles.
Os dados científicos de populações do Japão e regiões europeias com bons hábitos alimentares e estilo de vida ativo sugerem caminhos para uma longevidade saudável, mas não incluem o uso dessa fonte da juventude materializada pelos chips e hormônios. Muito pelo contrário.
O corpo matriz sempre cobrará o preço do abuso, seja agora ou daqui a alguns anos. No filme, a bela atriz da terceira idade não pergunta nem quer saber os possíveis efeitos colaterais. A oferta tentadora de uma substância que lhe trará traços de juventude supera qualquer medo.
Engraçado, ou melhor, trágico imaginar que diariamente milhares de homens e mulheres assumem o papel dessa personagem num roteiro de não ficção.