Cisne Negro da vida real: a solidão de jovens com obesidade
Assim como no filme com Natalie Portman, a obesidade entre os jovens provoca um sofrimento silencioso e solitário

Um dos filmes mais aclamados do século XXI, “Cisne Negro” conta o conflito da comparação, da precisão, da imagem envolto na atmosfera de uma arte que era para ser imaginária, mas se torna física e psicológica.
A figura do cisne há muito é comparada com beleza e perfeição, em uma história não menos famosa: “O Patinho Feio”. Um ovo de cisne se mistura ao de patos e, ao nascer, comparado aos belos patinhos, aparenta ser feio, pois destoa dos outroa, apenas por não seguir o padrão. Mas quando cresce descobre sua verdadeira identidade e suntuosa beleza.
A vida do portador de obesidade, principalmente adolescentes e jovens nos dias de redes sociais, influencers, padrões e definições, tem se tornado um Lago dos Cisnes turbulento, nebuloso, frio, isolado e perigoso.
A obesidade é uma doença nas quais alterações genéticas, fisiológicas e metabólicas fazem os portadores terem mais facilidade de ganhar peso e dificuldade na perda. Não há culpa. É preciso cuidado, não só médico e nutricional, como também psicológico.
Ao longo dos primeiros anos, diferentemente da história do patinho feio, não há uma rejeição por parte dos outros, quando todos ainda tem uma boa convivência e não se comparam. Mas ao se aproximar da idade de entrar no palco, as coisas mudam e as comparações entram em cena.
Na trama, a bailarina que assume o cisne branco, interpretada brilhantemente pela atriz Natalie Portman, enfrenta um enorme conflito psicológico ao se confrontar com o cisne negro, mais sensual, poderoso e aparentemente mais forte, pelo menos para ela.
A vida real de crianças e adolescentes obesos acontece assim como no filme, no silêncio dos seus quartos: o conflito de não estarem no padrão de corpo, sensualidade e força para enfrentar a ideia de não ser um cisne perfeito para a peça da vida. Nesse palco vemos depressão, isolamento social, surtos psicóticos, baixa autoestima, alterações comportamentais e alimentares, sedentarismo e até mesmo a possibilidade de suicídio. Quando entram em cena, sofrem preconceito, afastamento e críticas – até mesmo dos próprios pais. Aplausos não acontecem e a vontade que se tem é ficar somente no camarim.
No filme, o sofrimento da bela Portman é silencioso e pouco percebido. Ela está só. Seu quarto é o seu refúgio. A mãe com quem mora só cobra sua perfeição, sem ter a percepção do que ela sente.
Milhares de crianças e jovens obesos nesse primeiro ato da vida podem ter esse mesmo destino: sofrem com seu corpo e suas rejeições, enquanto os pais, por outro lado, só cobram a perda de peso sem perceber que, na verdade, o estão perdendo.
Mesmo saudáveis e jovens, apesar da obesidade, o simples fato do Cisne Negro das redes sociais ser diferente e magro gera um enorme conflito de personalidade e, assim como no enredo de Hollywood, a automutilação, o distúrbio de identidade e a saúde mental se tornam um pesadelo que não é visto nem escutado por quem está na plateia ou mesmo nos bastidores.
Os críticos são duros e definem suas opiniões não só textualmente, em aplicativos de mensagens instantâneas e rede sociais, bem como verbalizam nos corredores e banheiros do teatro chamado escola.
Seguir o roteiro de medicações, dietas e atividades físicas nem sempre é fácil para quem é tão jovem. As limitações físicas e erros das apresentações que a vida lhe impõe não são perdoadas, nem compreendidas. Muitas vezes, são até ridicularizadas.
Pouco se fala sobre essa peça chamada obesidade infantil. Em geral, ainda não há gastos com as sapatilhas da hipertensão, as meias do diabetes, os vestidos das doenças cardiovasculares. Talvez por isso, não chame tanta atenção do respeitável público. Mas o cabelo preso em uma cabeça confusa, solitária e perdida esta lá, pedindo ajuda para ser solto para que ele possa nadar e voar como um belo cisne.