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Universidade não é fábrica

A greve pode ser legítima, mas não é compatível com a educação

Por Cristovam Buarque Atualizado em 21 jun 2024, 13h14 - Publicado em 21 jun 2024, 06h00

Greves são instrumentos necessários, eficientes e justos para forçar patrões ao diálogo nas lutas dos trabalhadores. Para retomar o trabalho, os donos podem reduzir o lucro da empresa ou elevar os preços de suas mercadorias. A atual greve de professores e servidores das universidades e institutos federais são justas ao reivindicar reajuste salarial, mas é desnecessária porque o atual presidente e seus ministros não precisam de paralisação para dialogar com sindicatos, e ineficiente quando se considera que governo não é patrão, apenas administrador do orçamento do Estado, e a educação não é fábrica com mercadoria para venda. Para atender às reivindicações, o governo precisaria reduzir outros gastos, sacrificando setores essenciais da sociedade ou enfrentando poderosos na política. Tudo indica não haver neste momento margem para sacrifício, nem enfrentamento. Quando dispõe de recursos ou de força, um governo comprometido socialmente não precisa de greve para aumentar salário de professores, e não adianta greve se não tem esses recursos.

A greve surte efeito quando a interrupção da produção asfixia os interesses do patrão ao diminuir a rentabilidade imediata do capital financeiro. Na escola, a paralisação depreda o conhecimento de toda a nação nos anos seguintes. Escola não produz para o presente, forma para o futuro. Na indústria, a produção retoma no estágio em que parou, e seus produtos mantêm a mesma qualidade, mas a formação educacional fica danificada, porque os professores não recuperam plenamente o que foi perdido durante a paralisação. Na educação de base, especialmente, o aprendizado fica prejudicado com perdas irrecuperáveis. Até porque as interrupções são uma causa determinante de evasões de alunos nos níveis médio e superior.

“As paralisações são causa determinante de evasões de alunos nos níveis médio e superior”

O mercado não recusa comprar um produto porque os trabalhadores estiveram parados, mas as greves nas universidades depredam o valor do diploma; os empregadores levam em conta a perda na qualificação dos alunos diplomados em instituições reincidentes em paralisações. Apesar dos imensos prejuízos que provocam no futuro do país, ao não interromperem a produção de bens e serviços essenciais, os braços cruzados em escolas e universidades apenas incomodam as famílias e arranham a imagem do governante.

A greve seria eficiente se a universidade fosse fábrica e o diploma sua mercadoria, e os alunos fossem o patrão, aceitando pagar mensalidade maior para atender às reivindicações dos professores e servidores; ou aceitando que os professores reduzissem a jornada de trabalho. Notícias na imprensa informam que governo e sindicatos estariam negociando nesta direção: sacrificam a qualidade, para atender a suas reivindicações sem aumentar os gastos. Como às vezes se esconde inflação diminuindo a quantidade de mercadoria na embalagem. Estranhamente, com aceitação dos alunos.

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O histórico descuido de governos com educação exige luta por bons salários para professores e servidores, mas as greves são armas que se voltam contra os alunos em busca de qualificação e contra a nação, carente de profissionais qualificados. Por isso, ainda que a greve possa ser justificável, ela não é um instrumento compatível com a essência da educação.

Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898

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