A educação de base deve oferecer o conhecimento do mapa necessário para cada pessoa caminhar na busca da felicidade individual e participar da construção do país. Sem isso, asfixiamos a juventude no analfabetismo e sufocamos a universidade por falta de alunos bem preparados. Mas a política educacional nas últimas décadas se caracterizou por uma espécie de neoliberalismo social orientado para atender à demanda de alguns por diploma universitário, ignorando a necessidade de educação de base para todos. Entre 1995 e 2020, multiplicamos por 5 o número de alunos no ensino superior, e apenas por 2 o número de concluintes do ensino médio, sem melhorar a qualidade do que eles aprendiam.
Com a promessa de oferecer o teto, o Brasil abandonou a construção do alicerce e degradou o edifício da educação. Tratada como um bem de consumo, não como ferramenta para cada pessoa orientar-se na vida e construir o país. Com o slogan “Universidade para todos” passamos a ilusão de que o futuro da pessoa e do país depende do diploma universitário, mesmo sem conhecimento, nem emprego nem renda. Apesar do positivo salto no número de universitários, há vinte anos o Brasil tem o mesmo número de 10 milhões de adultos analfabetos; apenas 50% de nossos jovens concluem o ensino médio, no máximo metade desses com a qualificação que se espera para enfrentar as dificuldades da vida social. Estima-se que menos de 10% dos que ingressam na universidade são proficientes em português e matemática, raros em inglês. O resultado é um imenso exército com dezenas de milhões de jovens analfabetos para a contemporaneidade e sem preparo para um curso superior. Por isso, em 2011, a evasão nas universidades foi de 2,5 milhões de alunos, 36,6% do total de matriculados no ensino superior; dos que conseguiram concluir, grande parte se graduou em cursos sem qualidade, nem chance de empregabilidade e renda.
“Com o slogan ‘Universidade para todos’ passamos a ilusão de que o futuro depende do diploma”
Essa visão chega a tal ponto que no Brasil os três anos posteriores ao ensino fundamental não se chamam “conclusivo da educação de base”, mas “médio”, visto como degrau para o superior. Não é boa estratégia, mas tem sido promovida para seduzir eleitores que preferem a ilusão de comemorar o ingresso no ensino superior, mesmo em um curso sem perspectiva, do que comemorar a conclusão da educação de base, em um curso que prepare para o futuro.
A educação brasileira, inclusive nas universidades, estaria melhor se tivéssemos dado mais atenção à educação de base, oferecendo ensino fundamental sólido e a etapa conclusiva de qualidade. Todos alfabetizados para a contemporaneidade: sabendo falar e escrever bem o idioma português; ser fluente em pelo menos um idioma estrangeiro; conhecer os fundamentos da matemática, ciências, geografia, história, artes; debater com competência os temas de filosofia, política, antropologia e sociologia relacionados aos principais temas do mundo moderno; saber usar as ferramentas digitais; dispor de pelo menos um ofício que permita emprego e renda. Prontos para a vida e o país, de modo a seguirem estudando em curso superior, conforme a vocação e os conhecimentos adquiridos. Mas isso exige colocar a solidez do alicerce na frente da ilusão do teto, o que é uma boa estratégia para o futuro do país, mas não para a próxima eleição.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853