Na semana passada, governos e empresas firmaram um acordo de 170 bilhões de reais para indenizar vítimas do desastre em Mariana. Na ocasião, o presidente Lula afirmou que tal custo seria muito menor se as companhias envolvidas tivessem dado mais atenção à prevenção, cuidando da represa para evitar seu rompimento. O cálculo seria ainda mais enfático ao levar em conta o intenso sofrimento dos sobreviventes — e mais pertinente se o governante se lembrasse do silencioso desastre decorrente da negação de educação à maioria dos brasileiros. O descuido com o ensino asfixia socialmente ao longo da vida por falta de conhecimento, oxigênio necessário para facilitar a busca da felicidade pessoal e para ajudar a construir o país que desejamos. Soterra socialmente os 10 milhões a 12 milhões de adultos no analfabetismo pleno e asfixia entre 35 milhões e 40 milhões de crianças em idade escolar, que chegarão à vida adulta despreparadas para as necessidades do mundo contemporâneo.
Não é difícil imaginar como estaria a cidade de Mariana se a represa tivesse sido bem cuidada, tampouco é difícil vislumbrar como seria o Brasil se pudéssemos oferecer a todos os jovens uma educação de base que permitisse falar e escrever bem o idioma português; ser fluente em pelo menos mais uma das línguas usadas internacionalmente; conhecer os fundamentos de matemática, ciências, geografia, história, artes; debater com competência os temas de filosofia, política, antropologia e sociologia relacionados aos principais dilemas do mundo moderno; saber usar as ferramentas digitais; dispor de pelo menos um ofício que permita emprego e renda; adquirir solidariedade com os vizinhos, com a humanidade e com a natureza; querer participar da construção de um mundo melhor e mais belo, com desenvolvimento sustentável; ser capaz de obter educação continuada até o final da vida nestes tempos de incertezas e rápida mutação; e disputar uma vaga em um curso superior de qualidade, acessível a todo brasileiro.
“O descuido com o ensino soterra milhões de adultos analfabetos e asfixia milhões de crianças no país”
A fragilidade da represa no município mineiro matou e levou sofrimento a centenas de famílias e custou bilhões de reais aos culpados. A escolaridade sem qualidade devasta o quadro econômico e social do Brasil, custando trilhões de reais, a permanência na pobreza e a continuidade da desigualdade, do atraso e da violência. O desastre de Mariana custou vidas, tragédias familiares e indenização às vítimas. O desastre educacional continuará invisível até que um presidente perceba sua responsabilidade diante dessa catástrofe e decida implantar um sistema nacional único e público, não necessariamente estatal, de educação de base para todos, que promova uma inundação positiva: o povo educado, produtivo, inovativo, competitivo, consciente, participativo, fiscalizador.
Além de evitar os custos do soterramento social, tal sistema promoveria elevação na produtividade, romperia a armadilha da baixa renda média e instigaria sua bem-vinda distribuição. A consequência seria um país eficiente, justo, pacífico. Mas, lamentavelmente, a sociedade brasileira e seus líderes ainda não veem os destroços civilizatórios provocados pelas décadas de descuido com a educação. É como se tivéssemos a mesma irresponsabilidade dos donos da represa em Mariana e, mesmo depois de seu rompimento, não tomássemos as medidas necessárias para pagar a dívida e corrigir os rumos do país.
Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917